ISSN (on-line): 2177-9465
ISSN (impressa): 1414-8145
Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
COPE
ABEC
BVS
CNPQ
FAPERJ
SCIELO
REDALYC
MCTI
Ministério da Educação
CAPES

Volume 8, Número 1, Jan/Abr - 2004

ARTIGOS DE PESQUISAS

 

Lazer, trabalho e promoção da saúde mental para os trabalhadores de hospital*

 

Leisure, work and mental health promotion for hospital's workers

 

Entretenemiento, trabajo y promoción de la salud mental para trabajadores de hospital

 

 

Rosângela Andrade Aukar de CamargoI; Sônia Maria Villela BuenoII

IDocente do Centro Universitário Claretiano de Batatais (SP) e da Uni São Luís de Jaboticabal (SP). Doutoranda da EERP-USP em Enfermagem Psiquiátrica. e-mail: rcamargo@keynet.com.br
IIProfessor Livre Docente do Departamento de Ciências Humanas e Enfermagem Psiquiátrica da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP)

 

 


RESUMO

Visando a saúde mental do trabalhador, esta investigação buscou compreender o significado do lazer e do trabalho, mediado pelo futebol. É um estudo exploratório e descritivo com abordagem qualitativa, subsidiado pela Sociologia do Lazer e pelos estudos da Psicopatologia e Psicodinâmica do Trabalho. Realizado no campo de futebol de uma Associação, investigamos 24 trabalhadores de hospital, participantes do campeonato "Integração 2001". Na coleta de dados, utilizamos a observação participante, a fotografia e a entrevista individual. Para eles, trabalho significa sobrevivência e segurança, contrapondo-se ao medo do desemprego e do semitrabalho. Valorizam a amizade com o grupo de trabalho, na busca de reconhecimento e afeto. O lazer é compreendido como uma ocupação livre e espontânea, para repousar, divertir-se, entreter-se, cultivar amigos, livrando-se das obrigações profissionais. Encontram no futebol seu entorno saudável na promoção da saúde, auto-estima, bem estar físico e mental, preparando-os melhor para a vida pessoal e profissional.

Palavras-chave: Saúde mental. Lazer. Trabalho


ABSTRACT

Sighting the worker's mental health, this investigation tried to understand the meaning of leisure and work, trough soccer. It is an exploited and descriptive study with a qualitative approach, assisted by the Sociology of Leisure as well for studies on Psychopathology and Work Psychodynamics. Realized in the soccer field of some Association, it was investigated 24 men, which work at the hospital (Brazil), that often take part of a Championship named: "2001 Integration". It was collected data, by the observating of the participants, pictures and individual interviews. For them, work means survival and safety, in opposite to the fear of unamployment and half job. They appraise the friendship of the group in the seek of recognition and care. The leisure is understand as a spontaneous and free ocupation, to rest, have fun and enternain themselves, keep friends, gettind a rid of the professional obligations. They found in the soccer, their healthy overturn in the health's promotion, selfsteem, physical and mental well being, preparing themselves for a better prsonal and professional life.

Keywords: Mental health. Work. Leisure


RESUMEN

Visando la salud mental del trabajador, esta investigación buscó comprender el significado del ocio y trabajo, a través del fútbol. Es un estudio exploratorio y descriptivo con un abordage cualitativa, subvencionado por la Sociología del Entretenimiento y por los estudios de la Psicopatología y Psicodinámica del trabajo. Ejecutado en el campo del fútbol de una Asociación, investigamos 24 hombres trabajadores del hospital, participantes del campeonato "Integración 2001". En la recolecta de datos, fue utilizado la observación participante, la fotografia y la entrevista singular. Para ellos, trabajo significa sobreviviencia y seguridad, opuesto al miedo del desempleo y del sub-empleo. Ellos valoran la amistad con el grupo de trabajo, en la busca del reconecimiento y afecto. El ocio es comprendido como una ocupación libre, espontánea, para descansar, divertirse, entretenerse, mantener amigos, librándose de las obligaciones profesionales. Ellos encontran en el fútbol, su campo de acción saludable en la promoción de la salud, autoestima, bienestar fisico y mental, les preparando mejor para la vida personal y profesional.

Palabras clave: Salud mental. Trabajo. Ocio.


 

 

INTRODUÇÃO

O pêndulo entre as atividades de lazer e trabalho está associado respectivamente ao prazer e ao sofrimento. Essa visão condicionada pelas determinações de existência e pelos valores ideológicos impostos pela sociedade capitalista nasce das tarefas repetitivas, forçosas e das fadigas físicas ou nervosas que contrariam os ritmos biológicos1. Todavia, esta lacuna no trabalho muitas vezes é compensada pelos desafios que o lazer proporciona no seu cotidiano.

O impacto psíquico que a organização do trabalho exerce sobre o trabalhador pode gerar prazer ou sofrimento. O sofrimento é atribuído ao choque entre a história individual do trabalhador, portadora de projetos, esperanças e de desejos, e a organização do trabalho que os ignora, ou lhes impõe um ritmo de trabalho intenso e/ou repetitivo, porta de entrada para a doença mental. Por outro lado, se as exigências intelectuais, motoras e psicossensoriais da tarefa estão de acordo com as necessidades do trabalhador, ao realizá-la, dá origem a uma descarga de prazer, o que é favorável ao equilíbrio e à saúde mental1.

Muitas vezes, não é possível alcançar um equilíbrio entre as exigências do trabalho e as necessidades tanto fisiológicas quanto psicológicas do trabalhador. Desse conflito, emerge um sofrimento que é considerado como o espaço de luta entre o "bem-estar" e a doença mental ou a loucura. Em sua luta contra o sofrimento, o sujeito elabora soluções que são favoráveis tanto ao trabalho como à sua saúde, conduzindo-se ao sofrimento criativo. Quando essas soluções são desfavoráveis à organização e à saúde do sujeito, instala-se o

sofrimento patogênico. No entanto, o grande enigma não é a doença mental, e sim a normalidade, isto é, o que importa realmente é compreender as estratégias defensivas (individuais e/ou coletivas) adotadas pelos trabalhadores com a finalidade de evitar a doença e preservar, ainda que precariamente, seu equilíbrio psíquico1.

As estratégias defensivas levam à modificação, transformação e, em geral, à eufemização da percepção que os trabalhadores têm da realidade que os faz sofrer. Tudo se passa como se, por falta de poder vencer a rigidez de certas pressões organizacionais irredutíveis, os trabalhadores conseguissem, graças às suas defesas, minimizar a percepção que eles têm dessas pressões, fontes de sofrimento. De vítimas passivas, os trabalhadores colocam-se na posição de agentes ativos de um desafio, operação estritamente mental. São poucos os profissionais que podem organizar-se para o lazer, de acordo com seus desejos e suas necessidades. Todavia, alguns entre eles conseguem usá-lo harmoniosamente, de maneira a contrabalançar os efeitos mais nocivos da despersonalização ª 1

O conceito positivo do trabalho é coerente com a dinâmica de nossa sociedade capitalista, que se baseia na eficiência produtiva e concede a primazia ao racionalismo técnico-econômico, isto é, uma sociedade de produção, aberta à concorrência, animada pelo motor do sucesso e presa ao bem-estar material, ou seja, uma sociedade em que o culto ao trabalho e ao progresso tecnológico deve gerar o progresso e o conforto material, em que a educação e a formação técnica giram em torno da profissão. Nesse sentido, o lazer é considerado como um tempo de repouso e de consumo e a aposentadoria como salário bem merecido de uma vida de trabalho2.

O conformismo aparente em relação às imposições do trabalho não impede a busca consciente ou inconsciente das ocupações felicitárias3, que proporcionam a possibilidade do libertar-se do tédio do cotidiano, abrindo o universo real ou imaginário do divertimento, de uma livre superação de si mesmo, do poder criador e da busca de integração afetiva com familiares, colegas e amigos.

Não obstante, o mundo do trabalho está cada vez mais associado ao estresse. E o mundo do lazer, aspirado pela maioria das pessoas, como fonte de prazer, de liberdade e de promoção da saúde4,5.

Apesar do esforço de alguns autores em buscar compreensão sobre a complexidade do lazer na promoção da saúde das pessoas, depreendemos que esta temática nem sempre tem sido objeto das atenções acadêmicas, já que o assunto é visto como algo secundário. Os sentimentos prazerosos e emoções agradáveis parecem ter sido relegados a planos inferiores de valorização e de significação, com o fascínio atual pela objetividade, pelo real, pela seletividade e pela descartabilidade das coisas e das pessoas6.

A partir desses referenciais, traçamos como objetivos do presente estudo: examinar o significado do lazer e do trabalho atribuído por uma equipe de futebol formada por trabalhadores de hospital; analisar e compreender o futebol como estratégia de defesa coletiva.

 

METODOLOGIA

Este é um estudo exploratório, de natureza descritiva, com abordagem qualitativa, que busca as relações entre o trabalho, o lazer e a saúde mental dos trabalhadores de hospital, mediado pelo futebol. A pesquisa envolveu interação efetiva do pesquisador com os pesquisados, na identificação dos problemas, procurando compreender os sujeitos investigados durante as atividades de lazer.

Essa abordagem, adequando-se às nossas inquietações, priorizou o "pensar" e o "sentir" dos trabalhadores, através de suas falas, suas expressões, como fontes de informação para a compreensão das estratégias elaboradas por eles para enfrentar o cotidiano. Concomitantemente, possibilitou-nos apreender os aspectos consensuais dos pensamentos expressos pelo grupo, e favoreceu a compreensão dos valores e representações do grupo sobre a temática sugerida. A abordagem qualitativa empenha-se em mostrar a complexidade e as contradições de fenômenos singulares, a imprevisibilidade e a originalidade criadora das relações interpessoais e sociais. A partir do recorte de um fenômeno aparentemente simples de fatos singulares, como uma partida de futebol, são valorizados os aspectos qualitativos, expondo a complexidade da vida, evidenciando assim significados ignorados da vida social7.

Realizamos o presente estudo no campo de futebol da Associação de Funcionários de um Hospital Escola no Estado de São Paulo, com 2.400 funcionários associados. Além de defender os interesses dos servidores do hospital junto à Administração, a Associação tem também como objetivo proporcionar lazer e apoiar as iniciativas socioculturais dos associados.

Os sujeitos desta pesquisa foram 24 trabalhadores do hospital em estudo, em exercício ativo da profissão, filiados a essa Associação, que integraram as equipes de futebol, subdivididos em duas equipes de futebol, denominadas Independente de 1ª e 2ª Divisões, participantes do campeonato de futebol de campo "Integração 2001", no período previamente definido para a coleta de dados. São eles, 13 auxiliares de serviço, quatro auxiliares de enfermagem, dois oficiais de serviço de manutenção, um técnico de laboratório, um enfermeiro, um agente administrativo, um encanador e um oficial de administração.

Este estudo foi apreciado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com ser humano, da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, USP. Todos os trabalhadores, sujeitos desta pesquisa, foram orientados e concordaram voluntariamente em participar da pesquisa, por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Eles autorizaram a publicação das fotografias e as entrevistas foram realizadas com a sua aquiescência, sendo assegurado o sigilo e o anonimato das falas.

Iniciamos a investigação através da observação direta e participante, durante a primeira etapa dos jogos, no campo de futebol, que nos possibilitou elaborar uma descrição dos componentes da situação estudada, suas circunstâncias, o tempo e suas variações, as ações e suas significações, os conflitos e a sintonia de relações interpessoais e sociais, e atitudes e os comportamentos diante da realidade8, ou seja, o local e os eventos que ocorriam no campo de futebol, antes, durante e após o jogo.

Através do uso da fotografia, buscamos uma identificação perceptiva elementar: os movimentos, os gestos, as posturas, os trajes, os costumes, as tradições e o cotidiano dos sujeitos em uma partida de futebol. Expõe o realismo sem ser real, e é alegórica (do grego allegoria), isto é, uma imagem material usada para representar um conceito abstrato9.

Encontramos na entrevista individual, face a face, o instrumento final que se compôs com nossos objetivos. Ouvimos ativamente e com atenção receptiva todas as informações prestadas, intervindo com discretas interrogações de conteúdo ou com sugestões que estimulassem a expressão mais circunstanciada de questões interessadas à pesquisa. A disponibilidade à comunicação, a confiança manifesta nas formas e escolhas de um diálogo descontraído deixavam o informante inteiramente livre para exprimir-se, sem receios de falar sem constrangimentos sobre os seus atos e atitudes, favorecendo a interpretação no contexto em que ocorreram. Acrescentamos, ainda, que permanecemos atentos às comunicações verbais e de atitudes, sem julgar o entrevistado, aconselhá-lo ou discordar das suas interpretações, nem ferir questões íntimas, conforme orienta Chizzotti8.

Considerando a subjetividade do objeto de estudo, utilizamos a entrevista semi-estruturada, por entender que a mesma possibilita uma investigação mais ampla do tema em questão, a partir das perspectivas de cada trabalhador, como pessoas dotadas de subjetividade, de horizontes conceituais próprios, de intenções particulares e coletivas e de visão de mundo e a conexão que elaboram entre o trabalho, o lazer e a saúde mental.

Depois de transcritas, as entrevistas foram analisadas buscando-se desvendar o discurso como uma estrutura de representação que conduz à emergência da subjetividade como instrumento de conhecimento. A abordagem qualitativa foi complementada por técnicas quantitativas10.

Utilizamos o tratamento estatístico para a caracterização dos sujeitos, bem como foram assinaladas as expressões mais freqüentes ou regulares, nos depoimentos dos pesquisados, que evidenciaram as vivências referentes à temática em estudo. Foram codificados os dados mais relevantes apresentados nas falas, objetivando o núcleo de compreensão do texto. Em seguida, foram feitos recortes do texto em unidades de significação sobre o tema, definidas a partir do objeto deste estudo. Esse tratamento dos dados nos possibilitou a análise, discussão e interpretação dos resultados.

 

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Nossa população, constituída por 24 pessoas do sexo masculino, concentra-se majoritariamente na faixa etária de 31 a 40 anos (58%). A grande maioria é casada, ou amasiada, com família constituída, tendo de um a três filhos. Portanto, as responsabilidades e obrigações familiares estão presentes no cotidiano desses trabalhadores.

Quanto ao ganho salarial mensal desses trabalhadores, ele concentrou-se em 80%, na faixa de R$301,00 a R$1000,00b, uma renda baixa, para a maioria, considerando os itens básicos para atender às necessidades de uma família de pelo menos três membros, como na maioria do grupo estudado. Por isso, trabalhos complementares eram exercidos por 54% desses trabalhadores. Entretanto, esses complementos eram regulares e constituíam-se em "um bico".

O nível de escolaridade de 46% do grupo é o 2º grau completo, sendo de 21% o dos trabalhadores com 2º grau incompleto. Para 13% dos trabalhadores, o 1º grau é incompleto e para 8% deles o 1º grau é completo. E 9% desses trabalhadores têm o 3º grau completo ou incompleto. As atividades profissionais exercidas dentro do hospital são compatíveis com o nível de escolaridade.

Parece não existir relação entre o tempo de trabalho e a formação do grupo, ficando evidente, para nós, que a integração dessas pessoas depende basicamente do prazer em praticar esse esporte, da disponibilidade de tempo e das relações de amizade. Tal fato corrobora dados dos estudos desenvolvidos por Dumazedier11 e Marcelino12, que atribuem o tempo e a atitude como pressupostos básicos para o lazer. Lembramos que o lazer considerado como atitude é caracterizado pela relação entre o sujeito e a experiência vivida, isto é, pela satisfação provocada pela atividade desenvolvida no tempo livre das obrigações profissionais, familiares, sociais e religiosas.

Apreendemos, através da fala desses sujeitos, que o trabalho significa sobrevivência e segurança, contrapondo-se ao medo do desemprego ou do semitrabalho. Percebemos, também, uma contraposição entre o trabalho assalariado numa instituição pública, que respeita os direitos trabalhistas, e os trabalhos autônomos, cujo ganho não é previsível, gerando ansiedade e insegurança para aqueles trabalhadores com uma qualificação limitada. Isso fica ilustrado nos fragmentos das falas a seguir apresentadas:

Trabalho pra mim é segurança. Já sofri bastante aí fora. Antes trabalhava o dia todo no sol. Ficava devendo, passando necessidade. Casado de novo, criança pequena... Lá é bom. É seguro. (E1)

Trabalho é segurança e necessidade. Já fiquei desempregado. É muito difícil as coisas. (E3)

Não sei explicar. Passei muita dificuldade quando trabalhava por conta. Acho que é segurança. Ali é um paraíso, pelo o que eu passava antes. Me sinto bem. (E21)

Muito importante, porque eu e minha família dependemos dele para viver, e ainda é difícil. (E15)

Nessa situação, pouco importa para eles se gostam do que fazem no trabalho. O que importa é a segurança na garantia de sua subsistência. O mundo contemporâneo é domesticado pela submissão ao trabalho, todas as atividades são feitas como labores pela sobrevivência. As pessoas trabalham, sobretudo, para poder consumir 13.

Dejours1 relaciona dois componentes no que diz respeito ao conteúdo significativo do trabalho: aquele relativo ao sujeito e o relativo ao objeto. Apropriando-nos desse referencial, observamos que nas falas dos pesquisados, o significado do trabalho é evidenciado, pela maioria, como um meio de preservação da vida, ou seja, de subsistência pessoal e familiar, e para a satisfação de desejos materiais, "para comprar os sonhos". Com relação ao objeto de trabalho, de um modo geral, para os pesquisados, a satisfação pessoal é de natureza sublimatóriac, derivada em mecanismo defensivo, que, quando em condições seguidas, permite aos trabalhadores terem suas tarefas socialmente valorizadas, consubstanciando o pensamento de Pitta14. Podemos perceber essa natureza nas falas a seguir:

Me sinto bem ajudando as pessoas. Quando saem melhor. Pelo reconhecimento. Não ganho muito, mas me sinto gratificado. (E8)

Gosto do trabalho, porque ele visa o bem do paciente. Eu me sinto bem com o que faço, principalmente quando ele agradece, a gente se sente fortalecido. (E14)

Ainda com relação ao trabalho, os convívios sociais que permitem o estabelecimento de vínculos de amizade com o grupo de trabalho são muito valorizados pelos pesquisados, o que indica um significado atribuído ao trabalho, que associa a necessidade psíquica de aceitação, reconhecimento, atenção e afeto15, conforme exemplos das falas a seguir:

Acho importante meu trabalho. faço o controle das pragas, para evitar a infecção hospitalar. Mas também, gosto de andar e de me relacionar com as pessoas, ir nos locais e conversar com as pessoas, fazendo orientação. (E13)

O trabalho é seguro. A convivência com os colegas é boa. Gosto do serviço que faço, da convivência com as pessoas. Passo a maior parte do tempo no hospital. (E19)

Logo, a valorização do trabalho é determinada pelas relações interpessoais estabelecidas com os colegas e pela segurança proporcionada quanto à satisfação das necessidades materiais.

Para os pesquisados, o que menos gostam no trabalho são as tarefas repetitivas, como lixar paredes, escavar valetas e fazer a roupa da sala de cirurgia; as horas extras e excessos de rotinas; os horários de plantões aos finais de semana e feriados, apesar de considerá-los necessários; a injustiça de trabalhar 40 horas semanais, enquanto outros trabalham 35 horas; as inimizades e os desentendimentos; a falta de colaboração e a negligência de alguns trabalhadores. Podemos identificar esses aspectos nas seguintes falas:

Não gosto de fazer sempre o mesmo trabalho. Cansa, não tem graça, como ficar dobrando. (E22)

De lixar a parede. (E23)

De furar valeta debaixo do sol para enterrar o encanamento. (E17)

Os trabalhos repetitivos e os automatismos impedem a satisfação criativa que a revolução industrial eliminou, tornando o trabalho muito mais monótono e de pouca coerência, podendo haver uma vida que oscila entre o trabalho não gratificante e o desemprego16.

Alguns dos trabalhadores pesquisados acreditam que o trabalho influencia fortemente o núcleo familiar, assegurando estes laços e evitando problemas com as drogas e a violência em geral. Esse aspecto destaca-se na fala a seguir:

Pra mim é uma ocupação, a gente não fica da rua fazendo coisa errada. Bebendo sabe... A gente tem o dinheiro pra comprar os sonhos, mesmo que demore. Dá exemplo para os filhos. Isso é muito importante. Senão vira tudo drogado, marginal. A amizade é boa, tem muita "zuação". Gosto do que faço, trabalho desde os 12 anos. (E8)

A relação saúde/trabalho diz respeito a toda família. Violência nas relações conjugais, alcoolismo e doenças têm relação com as dificuldades no trabalho afetando todos os membros da família, atingidos indiretamente. No sentido inverso, o prazer no trabalho e os benefícios provenientes da relação de trabalho e promoção da saúde, também têm repercussões favoráveis nas relações familiares e no desenvolvimento psíquico e afetivo dos filhos1.

Outros sujeitos demonstraram expectativa em relação ao futuro e gostariam de estudar para conquistar melhores oportunidades de trabalho. Mas admitem que a jornada dupla é desgastante e almejariam de ter mais tempo para viver, ou seja, a possibilidade de disponibilizar tempo para o convívio com a família e para as atividades de lazer. Os seguintes fragmentos ilustram esta questão:

Mudaria de emprego se fosse possível. Gostaria de estudar Direito e prestar concurso para delegado ou promotor. (E7)

Pretendo no futuro fazer uma faculdade, ou ter outra profissão, paralela ao que faço hoje. Antes tinha 2 trabalhos. Deixei um para viver mais. Ter mais tempo para viver. (E4)

Notamos que, durante as respostas emitidas pelos sujeitos pesquisados sobre o trabalho, as expressões da face dos entrevistados eram fechadas, ficavam retraídos e demonstravam pouco envolvimento ou empolgação. Por outro lado, quando o assunto era o lazer, as feições modificavam-se imediatamente. Assim, logo na primeira pergunta, sobre o lazer, a maioria esboçava um largo sorriso e a descontração era imediata. A linguagem corporal emitia sinais de prazer ao falar sobre o assunto. De um modo geral, eles tinham muito o que contar, o que dizer. Nossa aproximação através das fotos causou uma satisfação geral e, em parte, a conquista da confiança do grupo.

As representações emitidas nas falas dos pesquisados sobre o significado do lazer assemelham-se ao conceito de Dumazedier 5. Para eles, o lazer é compreendido como ocupação à qual o indivíduo pode entregar-se de livre e espontânea vontade, seja para repousar, divertir-se, recrear-se e entreter-se, ou ainda, para cultivar o convívio social, livrando-se das obrigações profissionais, familiares e/ou sociais, como as seguintes falas destacam:

É a hora que a gente fica a vontade, dono do seu próprio eu, sem compromisso e responsabilidade. A gente faz porque gosta. (E22)

Para distrair a cabeça, para esquecer o serviço e os problemas pessoais. Fazer amizades e para os encontros entre amigos. (E6)

É esquecer do trabalho, se aliviar. Se não tivesse o lazer, não tem como viver. Descansa a cabeça, a gente volta outro, com mais ânimo, mais amável. Férias é necessário. (E1)

É descontração, liberdade, são muitas coisas.(E23)

É a hora que posso ficar com a família e os amigos. Fazendo o que gosto. (E19)

É importante porque a gente está sempre feliz, sem estresse. Esquece das contas e de tudo.(E17)

Vale a pena pela convivência, para reunir as pessoas. (E14)

Para distrair a cabeça, para esquecer o serviço e os problemas pessoais. Fazer amizades e para os encontros entre amigos. (E8)

O lazer, para esses trabalhadores, significa promover a saúde, ou manter a saúde e a alegria, ter preparo físico e descanso mental, e ainda, conviver com os amigos e estabelecer novos relacionamentos. Essa consciência da auto-responsabilidade com a saúde, do entorno saudável a ser conquistado é um avanço no exercício da cidadania para o bem-estar social, ou seja, um passo importante na melhoria da qualidade de vida da comunidade 16. Nos fragmentos a seguir essa consciência fica mais clara:

Se não tiver, a gente não tem disposição. Vai aparecer problema de saúde. E todo tipo de lazer tem amizade. (E10)

É fundamental. Não dá pra viver sem lazer. A gente vive o problema do doente no trabalho, e envolve, aí se não tem lazer, tem que procurar um psicólogo. (E4)

É tudo para o bem estar, ficar bem comigo e com os outros. (E16)

É quando posso por a cabeça no lugar, ficar bem, sorrir mais. (E21)

A gente tem que se divertir, senão a vida vai e você fica, sem fazer nada, só trabalhando. E o lazer é vida, tem que ter seu momento. (E22)

Se a gente fica só trabalhando, a gente não vive direito, pode ficar doente. (E24)

É promover a saúde, é preparo físico, descanso mental, amizade, relacionamentos, passatempo, esquecer dos problemas. (E2)

Fica evidenciada, também, a aproximação do significado do lazer como uma pausa no trabalho, a qual existe apenas para distrair da vida de trabalho somente. O trabalho pode ser encarado como sofrimento, responsável pelo estresse, pelas pressões cotidianas, enquanto o lazer é válvula de escape, um tempo para esquecer o serviço e os problemas, um descanso do trabalho, um passatempo para se aliviar, desconectar-se do trabalho4. O lazer pressupõe o trabalho e é fruto da Revolução Industrial. O modo de produção capitalista compreende a fragmentação não só do trabalho, mas do tempo, ou seja, a sistematização de horários e a submissão do trabalhador ao tempo relógio em detrimento do biológico, coerção que se estende à forma de trabalhar, agora regulada pela competência técnica, pelos rígidos horários e pela eficiência, de maneira a aumentar a produtividade para aumentar os lucros, o que não significa um aumento de salário para o trabalhador. Portanto, o trabalhador foi treinado para produzir mais, através de novos métodos de trabalho e, principalmente, competindo com o relógio 11.

A resposta biológica, isto é, as doenças do trabalho não demoram a se manifestar, paradoxalmente promovendo o surgimento de mecanismos de defesa como respostas às coações sofridas pelos trabalhadores1. O lazer, nesse sentido, pode ser compreendido como uma conquista dos trabalhadores, ou mesmo como um mecanismo de defesa, que responde à necessidade de se sentirem libertos de obrigações que não causam prazer, realizando atividades em que possam exercer o livre arbítrio e se reequilibrarem dos transtornos do trabalho.

Valorizado pelo grupo, o lazer é compreendido, então, como essencial e parte integrante da vida, na busca de liberação e prazer. Os pressupostos de lazer - tempo e atitude12 - são expressos também pelos entrevistados, ou seja, não adianta apenas ter vontade de realizar uma atividade de lazer. É preciso disponibilidade de tempo, assim como o tempo livre não garante a prática de uma atividade de lazer, já que ela depende de uma atitude consciente e culturalmente predisposta ao lazer.

Para melhor apreensão dos significados apresentados pelos sujeitos da pesquisa, procuramos categorizar seus lazeres, de acordo com a sugestão de Camargo17, favorecendo a classificação por convergências, proximidades e identificações. Isto nos permitiu ampliar as reflexões com relação:

À promoção da saúde - a maioria deles acredita que o lazer é importante para a vida e contribui para a saúde física e mental, faz esquecer os problemas que vivem no hospital destacados em suas falas sobre a dor e o sofrimento dos pacientes ali tratados. Esta referência nos remete a Pitta14, que pesquisou sobre as doenças decorrentes do trabalho hospitalar, no qual a vivência da dor, do sofrimento e morte do outro associado a uma organização administrativa coercitiva e desestimulante são responsáveis por sinais e sintomas orgânicos e psíquicos inespecíficos nos trabalhadores. Tal fato é percebido na fala dos sujeitos preocupados com a saúde, alguns mencionando que a falta de lazer para as pessoas que trabalham no hospital pode provocar doenças físicas e mentais. Para eles, a busca de uma vida feliz, sem estresse através do lazer, é essencial para ficarem bem.

Ao convívio social - para alguns, o encontro com os amigos, a oportunidade de conviver com a família caracteriza a importância do lazer. As interações e o relacionamento interpessoal são bastante considerados pelo grupo.

À liberdade e ao prazer - fazer o que gosta, sem se sentir preso ou obrigado, são aspectos presentes na fala dos investigados com relação à importância do lazer. Tal fato contrapõe-se às outras atividades realizadas por necessidade e/ou obrigação.

O futebol, o passeio com a família, o encontro com os amigos e as viagens são as atividades mais populares entre eles. As manifestações sobre o futebol foram apaixonadas e extremamente emotivas. Um dos entrevistados chegou a ficar com a voz embargada e os olhos úmidos. A maioria deles conta que aprenderam a jogar bola ainda crianças, e não conseguem imaginar a vida sem praticar esse esporte. Para esses amantes do jogo, o enfrentamento de situações problemáticas no trabalho, como reorganizar a escala para ser liberado para o jogo, e na família, quando são questionados sobre sua dedicação quase que exclusiva ao futebol, não diminui o ímpeto e a vontade de jogar. Ficam, de certa forma, indignados quando cedem às pressões da família ou são impedidos pela escala de plantão, principalmente quando a partida vale pontos. De um modo geral, os investigados acreditam que, além de ser uma distração, o futebol favorece um melhor condicionamento físico e o convívio com os amigos. Percebem os benefícios para o corpo e para a mente registrando que ficam mais dispostos, principalmente porque correm, transpiram e brincam, além de confraternizar com os colegas. Isso fica ilustrado com as falas a seguir apresentadas:

Jogo desde criança. Preferia apanhar do pai, do que deixar de jogar. Até minha irmã jogava, meu pai também, mas depois ele parou, foi para a igreja. Gosto da confraternização. Da disputa, não tem stresse. (E13)

Não sei explicar, de tanto que eu gosto. Só quem joga pra dizer. Largo quase tudo. Gosto da disputa, somar pontos... (E4)

É disputa. É botar o corpo pra mexer. Ter amigos. É felicidade pura. (E6)

Volta a infância. Desafio. Na posição que jogo é importante o trabalho do time. Aprimorar a técnica, crescer. (E7)

As equipes são formadas com trabalhadores que gostam de jogar e têm disponibilidade de tempo, já que a maioria trabalha respeitando escalas de revezamento de plantão. Segundo um dos entrevistados, que assume a função de técnico, os convites para participar dos campeonatos costumam envaidecer os convidados, já que representam a valorização de suas habilidades. No entanto, o jogador (trabalhador) sabe que vai precisar "suar a camisa para merecê-la", e representar a equipe é, principalmente para eles, encarar o "desafio". Esta palavra é repetida continuamente nas entrevistas e significa levar o jogo a sério. Todos têm a consciência de que o sucesso do jogo depende do desempenho eficiente de toda equipe: jogadores da defesa, do ataque, do meio de campo, das laterais e do goleiro, coordenados pelo técnico. Não gostam de jogo fácil. O adversário deve ser um time competitivo, pelo menos com o mesmo nível técnico. Não existe o treinamento prévio ou o preparo físico dos jogadores. Cada participante sabe qual a função que melhor desempenha. Essa função, basicamente, pode ser defesa ou ataque. Ela é conhecida e reconhecida por todos da equipe, já que os que estão em melhores condições são os escalados. A crítica é elaborada antes, durante e após cada partida de futebol. A autocrítica é rigorosa. O banco, ou ficar como jogador reserva, é visto com desconfiança, mas também é entendido como outro desafio a ser vencido.

Notamos que a equipe de futebol mantém um forte sentimento de união, diante de um desafio. Antes do início da partida, abraçados em círculo, abaixam as cabeças e discutem a estratégia de jogo selecionando os jogadores titulares, isto é, os que sairão jogando, e os que permanecerão no banco de reserva; rezam e emitem um grito de guerra, ritual que antecede invariavelmente todos os jogos do campeonato. O técnico do time, que tem o poder na decisão final, também puxa a reza e o grito de guerra. O início do jogo é marcado por uma comunicação fortemente motivadora entre eles, para o enfrentamento destemido da equipe adversária.

A linguagem peculiar no campo de jogo contém frases que estimulam, incentivam, e outras que repreendem os participantes. Os xingamentos, que aparentemente agridem tanto os jogadores adversários como os próprios companheiros da equipe, representam a necessidade de extravasar as tensões. Essa linguagem também é legitimada pelo grupo, segundo um dos entrevistados o jogo é para extravasar (E5).

As exigências físicas, as habilidades com a bola e o autocontrole são colocados à prova, na busca do gol, mas todos estão conscientes que, para tanto, a integração da equipe às competências de seus jogadores, aliada ao forte espírito cooperativo e solidário são essenciais. A possibilidade de vencer é sempre acompanhada de uma estratégia ou tática de jogo.

As emoções são responsáveis em parte pelas agressões que ocorrem durante o jogo. Os participantes reconhecem aquelas que são desleais daquelas legitimadas pela disputa propriamente dita. O jogador considerado desleal é criticado e isolado pelo grupo, sofre punição, como suspensão dos jogos, ou é desligado de maneira formal ou informal, quando não é mais convidado a compor a equipe.

O gol é o ápice do prazer para a equipe vencedora. É quando se abraçam, compartilhando o júbilo. No entanto, na derrota, as críticas são implacáveis, as jogadas são analisadas e as falhas apontadas. Após o término do jogo, os comentários informais que sucedem à partida invariavelmente acontecem também à mesa do bar, onde o bate-papo é animado e as jogadas são repetidamente discutidas e analisadas.

Os rituais observados no campo, com pessoas abraçadas, fortemente ligadas pelo espírito de equipe, cada um sabendo o que deve ser feito, com uma estratégia pré-determinada, tendo em vista um desafio claro, numa crítica constante e construtiva e atitudes de cooperação e solidariedade, provocam uma motivação raramente vista em nossos grupos de trabalho no hospital. Essa constatação nos remete à reflexão sobre o ambiente e a organização do trabalho.

A lógica do capitalismo diverge dos pressupostos do lazer, o que o torna por vezes subversivo ao sistema. As exigências veladas de horas extras contrapõem-se às necessidades de lazer, ou seja, de um tempo livre para se dedicar à família e às atividades de livre escolha, na busca do prazer e da liberdade e principalmente momentos de interação, nos quais encontram a auto-estima, acolhimento e afeto, valorização expressa e evidenciada pela maioria dos entrevistados. A conquista do tempo livre pelos trabalhadores foi motivada pelos turnos prolongados de trabalho e pela evolução tecnológica11. Hoje, os avanços tecnológicos e a informatização ameaçam o mundo do trabalhador, causando ansiedade e o medo do desemprego. Encontramos, assim, a explicação para a tranqüilidade e segurança expressa pelos trabalhadores na empresa pública, o que não ocorre na empresa privada e/ou no serviço autônomo. A garantia do tempo livre e do salário ao final do mês é muito valorizada por esse trabalhadores, que ressaltam o trabalho em primeiro lugar, pois ele garante a sobrevivência, e o lazer num segundo plano, mas de importância vital para a vida familiar e para a sua saúde pessoal.

Houve unanimidade nas respostas apresentadas nas entrevistas sobre os benefícios do lazer, especificamente do futebol, como uma atividade que distrai, diverte e relaxa. Os pesquisados percebem uma alteração positiva do humor, quando voltam do futebol. Ficam animados e bem humorados (E3) e, segundo um dos entrevistados, mais amávels em casa e no trabalho (E9). Percebem uma diferença no grupo de trabalho entre aqueles que jogam bola e os que não jogam. Alegam que, os primeiros são mais alegres e comunicativos, enquanto os outros são quietos, isolados e mais tristes (E20).

Os sujeitos do estudo também são conscientes da necessidade de criar um entorno saudável para eles e seus familiares16. A preocupação com a promoção da saúde é evidenciada pela maioria dos entrevistados, principalmente no que se refere à saúde mental. Percebemos nas suas falas a importância da auto-estima e do bem-estar físico. Para um dos sujeitos, a vida fica mais saudável, aprende-se a conviver com as pessoas socialmente, e com disciplina (E19). Para outro, quando ele se sente bem, passa isso para as outras pessoas, um clima de conforto, e acredita que tem um desempenho melhor no trabalho (E14).

Para a maioria dos pesquisados, as lembranças do jogo são revividas durante a semana. Pensam sobre as mesmas, o que poderiam ter feito para melhorar e não cometer mais aquele erro, ou, por outro lado, ficam saboreando o gol que fizeram ou que ajudaram a fazer, ou ainda a bola que defenderam evitando a derrota da equipe. Quando se encontram durante o turno de trabalho, o assunto também é futebol. Agendam os jogos, avisam os participantes, discutem sobre o futebol dos profissionais ou apenas brincam entre si. Percebemos, por tudo isso, que esses trabalhadores alimentam-se mentalmente do lazer vivido nos finais de semana, durante o período de trabalho.

 

CONCLUSÕES

Através desta investigação, observa-se que, para o grupo estudado, o trabalho no hospital significa sobrevivência e segurança porque ele representa o atendimento de suas necessidades básicas e de seus familiares. As causas principais identificadas de ansiedade desses trabalhadores são o medo do desemprego e as angústias do semitrabalho. Esses fatores contribuem para a valorização do serviço atual, em que encontram a estabilidade no trabalho, legitimada pela instituição pública e um piso salarial fixo e garantido mensalmente. Para eles, a valorização do trabalho é concomitantemente determinada pelas relações interpessoais estabelecidas com o grupo de trabalho porque atendem às necessidades de aceitação, reconhecimento, atenção e afeto, entre outras.

A monotonia do trabalho repetitivo, o automatismo é rejeitado pelos trabalhadores. As maiores insatisfações no trabalho, para os pesquisados, relacionam-se às escalas de trabalho em turnos alternados e aos plantões nos finais de semana, apesar de reconhecerem a sua necessidade. Eles acreditam que a concepção do trabalho como valor deva ser transmitido aos filhos porque assegura a união da família, evitando problemas tais como drogas e violência entre outros, o que legitima o culto ideológico do trabalho.

O grupo também considera a jornada dupla de trabalho desgastante, o que limita o tão aspirado tempo livre para o convívio com a família e a recreação, através de atividades de lazer. O trabalho também é visto como o meio para se obter o lazer, sendo este último, muitas vezes considerado como o verdadeiro sentido da vida. O lazer é entendido por eles como o tempo em que o indivíduo pode entregar-se de livre e espontânea vontade, seja para repousar, divertir-se, recrear-se e entreter-se, ou ainda, para cultivar o convívio social com amigos, e principalmente familiares, livrando-se das obrigações profissionais e sociais. É visto, ainda, como promoção de saúde e alegria de viver, pois proporciona cuidados ao físico e à mente; integração da família e amigos e, ainda, novos relacionamentos. Ele é válvula de escape do trabalho, um tempo para esquecer dos problemas responsáveis pelo estresse, e para se reequilibrar dos "transtornos" do cotidiano. É compreendido, pois, como essencial e parte integrante da vida, na busca de liberação e prazer, um retorno à infância, sendo a disponibilidade de tempo e a atitude seus pressupostos básicos.

As atividades de lazer mais citadas e consideradas de maior importância para a sua vida, além do futebol e dos esportes de uma maneira geral, foram: passear com os filhos e a família, encontrar-se com os amigos para um churrasco, conversar no bar e as viagens. Os sujeitos do estudo acreditam que a falta de lazer para as pessoas que trabalham no hospital pode provocar doenças físicas e mentais. Para o grupo, o ideal seria o equilíbrio entre o trabalho, o lazer e a família. O futebol, para eles, é um gosto apaixonado, significa distração que beneficia o corpo e a mente, pois favorece um melhor condicionamento físico e o convívio com os amigos. Promove ainda a disposição para o trabalho porque em sua prática o indivíduo corre, transpira, brinca e se confraterniza com os colegas. O jogo, para eles, é revivido durante o trabalho profissional e mesmo na hora de dormir. As jogadas são mentalmente analisadas e a autocrítica denuncia as falhas ou o júbilo dos lances que ajudaram ou atrapalharam a equipe.

Esses trabalhadores estão conscientes da necessidade de criar um entorno saudável visando à melhoria da qualidade de vida deles e de seus familiares. E, nos ensinou que o desafio, o trabalho de equipe, a crítica construtiva, a disciplina, a educação, a valorização do outro e a diversão podem caminhar juntos em nome do prazer, da liberdade e da felicidade. A saúde mental é evidenciada na importância dada à auto-estima, ao bem-estar físico, ao convívio social com ética e disciplina. Eles acreditam que o bem-estar proporciona um clima de conforto e acolhimento para as pessoas que estão a sua volta, além de um melhor desempenho no trabalho.

 

REFERÊNCIAS

1. Dejours C. A loucura do trabalho. 5ed. São Paulo (SP): Cortez, 2000.

2. Marías J. A felicidade humana. São Paulo (SP): Livraria Duas Cidades, 1989.

3. Krippendorf J. Sociologia do turismo. São Paulo (SP): Aleph, 2000.

4. Bueno SMV. Contribuição ao estudo da aplicação do lazer no ambiente hospitalar. Dissertação de Mestrado, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo. 1981.

5. Dumazedier J. Lazer e cultura popular. 3ed. São Paulo (SP): Perspectiva, 2000.

6. Bruhns HT.(org.). Temas sobre lazer. Campinas (SP): Autores Associados, 2000.

7. Neto ON. O trabalho de campo como descoberta e criação. In: Minayo MCS (org.). Pesquisa social. 19ed. Petrópolis (RJ): Vozes, 2001.

8. Chizzotti AC. Pesquisa em ciências humanas e sociais. 5ed. São Paulo (SP): Cortez, 2001.

9. Carvalho YM. Imagens e lazer. In: Bruhns HT.(org.). Temas sobre lazer. Campinas (SP): Autores Associados, 2000.

10. Minayo MC, Sanches O. Quantitativo qualitativo: oposição ou complementariedade? Caderno de Saúde Pública, n.9, 1993.

11. Dumazedier J. Sociologia empírica do lazer. 2.ed. São Paulo (SP): Perspectiva, 1999.

12. Marcelino NC. Estudos do lazer. 2.ed. Campinas (SP): Autores Associados, 2000.

13. Albornoz S. O que é trabalho. 6.ed. São Paulo (SP): Brasiliense, 2000.

14. Pitta A. Hospital, dor e morte como ofício. 4.ed. São Paulo (SP): Hucitec, 1999.

15. Rogers CR. Tornar-se pessoa. 2.ed São Paulo (SP): Martins Fontes, 1987.

16. Gentile M. Promoção da saúde. Brasília (DF): MS, 2001. Disponível em: http://www.portal.saude.gov.br/saude/. Acesso: 25/10/2001.

17. Camargo LOL. O que é Lazer. São Paulo (SP): Brasiliense, 1999.

 

NOTA

* Extraída da Dissertação de Mestrado, "Lazer, a vida além do trabalho para uma equipe de futebol entre trabalhadores de hospital", apresentada à Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (EERP-USP)

ª despersonalização é a alteração da sensação de realidade do mundo exterior sendo preservada a sensação a respeito de si mesmo (1).

b Salário mínimo 2001: R$180,00

c Conceito psicanalítico. Mecanismo competente de transformar pulsões inconscientes, primitivas, individuais, em atividades de utilidade e reconhecimento sociais (14).

 

 

Recebido em 21/05/2003
Reapresentado em 18/02/2004
Aprovado em 20/02/2004

© Copyright 2024 - Escola Anna Nery Revista de Enfermagem - Todos os Direitos Reservados
GN1