Volume 10, Número 2, Abr/Jun - 2006
ARTIGOS DE PESQUISA
Experiências de ensino-aprendizagem de estudantes de enfermagem em uma comunidade do município do Rio de Janeiro
Experiences of the teaching-learning and experiences of students in nursing in a low income community of the city of Rio de Janeiro
Experiencias de enseñanza aprendizaje de estudiantes en enfermería en una comunidad de baja renta de la ciudad de Rio de Janeiro
Maria Helena do Nascimento SouzaI; Elisabete Pimenta Araújo PazII; Rosane Harter GriepIII; Ana Inês SousaIV; Laurio Luis da SilvaV; Audréia Rodrigues da PaixãoVI
IDoutora em Enfermagem, Profª Assistente do Departamento de Enfermagem de Saúde Pública da Escola de Enfermagem Anna Nery/ UFRJ
IIDoutora em Enfermagem, Profª Adjunta do Depto. de Enfermagem de Saúde Pública da Escola de Enfermagem Anna Nery/ UFRJ
IIIDoutora em Ciências, Profª Adjunta do Depto. de Enfermagem de Saúde Pública da Escola de Enfermagem Anna Nery/ UFRJ
IVDoutora em Ciências da Saúde/Saúde da Mulher, Profª Adjunta do Depto. de Enfermagem de Saúde Pública da Escola de Enfermagem Anna Nery/ UFRJ
VEspecialista em Enfermagem do Trabalho. Enfermeiro da Prefeitura de Nova Iguaçu/ Rio de Janeiro
VIAcadêmica do 8º período do Curso de graduação de Enfermagem da Escola de Enfermagem Anna Nery/ UFRJ
INTRODUÇÃO
A atuação dos enfermeiros em comunidades constitui um contraponto ao modelo assistencial que ainda predomina na maioria dos serviços de saúde do País, uma vez que este privilegia o atendimento clínico, individual, ancorado no pronto atendimento, na medicalização e na tecnologia médico-hospitalar1. Tal modelo tem deixado muito a desejar, no que diz respeito à efetividade de soluções dos problemas básicos de saúde da população, principalmente em locais nos quais o desemprego, a falta de moradia digna, a desigualdade social e a iniqüidade podem determinar a maior parte dos agravos relacionados à saúde das pessoas(Monteiro, Ferriani1).
A Enfermagem, mesmo apresentando avanços no campo social, ainda traz um olhar mensurador sobre as questões de saúde, com ênfase nos aspectos institucionais e instrumentais do seu fazer. Assim, fazse necessário que os profissionais de enfermagem possam considerar as questões de cunho sociocultural, evidenciadas num contato mais direto entre eles e sua clientela, como fatores condicionantes ao sucesso das suas intervenções, bem como dos outros profissionais de saúde(Dalmolin, Lopes, Vasconselos2). Desta forma, tais questões podem possibilitar aos profissionais, como um todo, uma melhor compreensão da realidade social e de saúde da população atendida.
É com esse pensamento que pensamos ser possível aos estudantes e docentes, no processo ensinoaprendizado, conhecer como vivem populações de baixa renda, seu local de moradia, sua história e suas redes sociais. Isto favorece aos estudantes o contato direto com a realidade de vida dos usuários dos serviços de saúde, o que gera condições de um aprendizado condizente com a situação de vida e saúde da população. Adorno e Castro3 salienta que este olhar para as condições de vida das pessoas nos leva a querer conhecer o modo como estas se articulam e lidam com o processo de adoecimento. Este tipo de conhecimento traduz-se em uma experiência intersubjetiva que conduz à revisão do sentido dado às coisas, podendo corresponder à necessidade de se situar e ter um espaço específico na multiplicidade de espaços presentes na contemporaneidade fragmentada.3:34
Com a intenção de fazer as aproximações necessárias entre ensino, pesquisa e extensão, o Departamento de Enfermagem de Saúde Pública da Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro, através de seus docentes, desenvolve parte de suas atividades na Comunidade Morro dos Cabritos, situada em Copacabana, Município do Rio de Janeiro. Trata-se de uma comunidade onde, além da violência, do desemprego e das condições de pobreza, evidenciados claramente pelas precárias condições de vida de grande parte dos moradores, há pessoas que reconhecem o valor das ações voltadas para a prevenção de agravos e promoção da saúde.
Na abordagem das questões de violência urbana, e considerando o papel social da universidade, a opção da equipe em propiciar aos estudantes a vivência neste tipo de cenário deriva da convicção de que a universidade deve formar não apenas enfermeiros, mas cidadãos comprometidos com a realidade social do país, de modo a contribuir com a melhoria da saúde e bem-estar da população.
A inserção dos estudantes inscritos no Programa Curricular Interdepartamental IV (PCI IV): "A Enfermagem e os Cuidados Básicos de Saúde", nesta Comunidade, se dá com o desenvolvimento das seguintes atividades, dentre outras: levantamento socioeconômico, ambiental e de saúde das famílias residentes na comunidade; visitas domiciliares; elaboração de plano de assistência de enfermagem às famílias que apresentam problemas de saúde; avaliação e acompanhamento da situação de saúde e nutrição de crianças e adolescentes do Centro Educacional Cantinho da Natureza e da Creche Tia Sonia; consulta de enfermagem à criança com uso da estratégia de Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância (AIDPI); identificação da prevalência de parasitose intestinal entre as crianças; orientações de saúde aos pais/responsáveis e funcionários das creches; cursos de capacitação para educadoras e cozinheiras; elaboração de materiais educativos; atendimento aos idosos, realização de feiras de saúde na Comunidade; encaminhamentos para os serviços de saúde locais; elaboração de relatórios de atividades e de trabalhos científicos e trabalhos de Conclusão de Curso. Além destas formas de atuação, alguns estudantes, após o período de estágio, solicitam a participação em ações extensionistas como voluntários de projetos de extensão ou em atividades com a comunidade.
Com vistas a divulgar a experiência curricular de discentes no desenvolvimento de atividades em comunidade, os objetivos deste trabalho foram: a) identificar a percepção dos estudantes diante das atividades desenvolvidas por eles junto à Comunidade, e b) discutir o significado das atividades realizadas pelos acadêmicos para a sua formação profissional.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Esta investigação sobre as experiências dos estudantes em trabalhos com comunidade é de natureza qualitativa e de caráter descritivo. A população deste estudo foi constituída por 115 estudantes que desenvolveram o Requisito Curricular Suplementar: Diagnóstico Simplificado de Saúde IV do Programa Curricular Interdepartamental IV, na Comunidade Morro dos Cabritos, no período de 2002 a 2004. Os sujeitos foram 89 estudantes deste grupo que concordaram em participar da pesquisa, o que representou 78% do total da população do estudo.
Para a identificação dos estudantes, utilizaram-se a lista de inscritos no Programa e as escalas de estágio na Comunidade Morro dos Cabritos, no recorte temporal citado. Na ocasião do contato com os estudantes, obedecendo aos aspectos éticos, os pesquisadores apresentaram os objetivos do estudo e solicitaram a participação voluntária dos mesmos, mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme preconiza a Resolução 196/ 96 do Conselho Nacional de Saúde4. Utilizou-se um questionário autopreenchido, semi-estruturado, contendo questões sobre: experiências anteriores em comunidades, expectativas do primeiro contato com a comunidade, atividades realizadas no período do estágio, aspectos considerados como problemas de Saúde Pública e significados do trabalho na comunidade. No preenchimento do questionário, foi esclarecido que seria garantido o anonimato dos participantes. Os instrumentos foram identificados por duas letras, caracterizando o Programa cursado e o estudante. A perda amostral foi de 22%, caracterizada pela não-devolução do instrumento.
A análise das respostas se deu após a organização das mesmas em quadros, a fim de se obter uma maior ordenação das questões investigadas, com posterior agrupamento dos temas de maior freqüência e formação de categorias temáticas (Minayo5).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Na entrevista com os estudantes, buscamos saber se eles haviam tido contato com alguma comunidade antes da atuação deles na comunidade Morro dos Cabritos. Cerca de 70% deles não haviam ido a qualquer comunidade. Ao analisarmos as respostas sobre as expectativas dos estudantes no primeiro dia do trabalho na comunidade, estas foram agrupadas em duas categorias: o medo de estar em uma comunidade violenta e o desejo de contribuir para a melhoria das condições de saúde da população.
O medo de estar em uma comunidade violenta
Observando os relatos abaixo, verifica-se que a grande expectativa dos estudantes era de vivenciar situações de violência social, as quais lhes causavam receio, medo e ansiedade, como expresso nas seguintes falas:
(...) Eu estava com receio da violência e também não sabia como seria recebida. (AG)
A expectativa não era tão boa. Eu acreditava que teríamos dificuldade de acessar os clientes devido ao tráfico e que não seríamos bem recebidos. (AD) Por conta da violência que afeta grande parte do Rio de Janeiro, fiquei apreensiva quanto à possibilidade de sofrer algum tipo de violência. (EC) Eu tinha a expectativa de encontrar muitas pessoas armadas e vendendo drogas.(AN)
Pelas respostas, fica claro que os estudantes, em um primeiro momento, tinham medo de desenvolver atividades na comunidade devido ao receio de encontrar situações de violência geradas, dentre outras formas, pelo tráfico de drogas. A violência é de fato um grande problema de Saúde Pública presente nos grandes centros urbanos, principalmente em realidades onde a desigualdade social é mais evidente. Entre os fatores determinantes da violência encontram-se o desemprego, a exclusão social e as condições inadequadas da vida urbana, e estes se constituem em importantes desafios para os formuladores de políticas públicas (Silva6).
Sabe-se que situações de violência social podem constituir-se ainda em um problema para a atuação de profissionais ou acadêmicos da área da saúde que desenvolvem suas atividades em locais de maior risco, como o cenário das comunidades de baixa renda. Desta forma, ao realizar trabalhos com a população residente na comunidade Morro dos Cabritos, a equipe reconhece a necessidade da tomada de certas medidas de segurança como: contato com as lideranças, estabelecimento de parcerias com os atores sociais envolvidos, apoio de membros da comunidade, uso de uniforme e crachá e divulgação das atividades planejadas. Tais medidas têm favorecido a permanência de docentes e estudantes nesta comunidade e possibilitado o estabelecimento de condições favoráveis ao processo ensino-aprendizagem.
Contribuição para a melhoria das
condições de saúde da população
Um outro aspecto relatado pelos estudantes nas respostas ao questionário, em relação às expectativas de iniciar o trabalho, foi o fato de este representar a possibilidade de realizar ações voltadas à melhoria das condições de saúde da população, conforme os seguintes relatos:
(...) Poder prestar assistência de Enfermagem de acordo com a necessidade, principalmente às crianças. (DA)
(...) Poder contribuir um pouquinho para melhorar a saúde dos moradores da comunidade. (ED)
(...) Participar das atividades que competem ao enfermeiro. Tinha sensação de que era importante a minha atuação na vida deles. (EC)
Minha expectativa era de encontrar uma população que estivesse precisando da minha atuação e do meu grupo. (AG)
Desenvolver o conteúdo teórico de saúde pública na prática. (AC)
É com o tipo de pensamento voltado para melhorar as condições de saúde da população que os estudantes desenvolvem suas atividades na comunidade. Este "ideário dos estudantes" vai ao encontro das propostas do Ministério da Saúde, que na implementação de modelos assistenciais, tais como o "Programa Saúde da Família", recomenda que os profissionais de saúde realizem ações de proteção e promoção à saúde, ampliando o foco do indivíduo para família e comunidade, com vistas à melhoria da qualidade de vida e não apenas à recuperação da doença(Minayo7, Chiese et al8).
De acordo com Paaz, Souza e Griep9, a inserção precoce dos conteúdos sobre o Programa Saúde da Família na grade curricular dos acadêmicos de enfermagem representa uma estratégia facilitadora para a formação profissional dos mesmos. Nesse sentido, é importante que os estudantes percebam, desde a sua formação, os nexos entre o ensino teórico e a prática assistencial, o que lhes possibilitam elaborar idéias mais ampliadas dos significados de saúde para a população e quais seriam as suas responsabilidades nos vários níveis de atenção à saúde da comunidade.
Nesta perspectiva, Chirelli e Miskina10 ressaltam que, na formação dos acadêmicos da área da saúde, devese ter a preocupação de construir um processo articulado com o mundo do trabalho. Essa articulação ajuda a diminuir as distâncias da relação teoria/prática e permite a utilização de métodos mais ativos no processo ensinoaprendizagem, desdobrando-se em aprendizagem significativa e mudanças nos diversos sujeitos envolvidos no processo como um todo. Isto determina a formação de profissionais mais críticos, reflexivos, comprometidos socialmente. Dessa maneira, eles são sujeitos ativos e capazes de deliberações a respeito de si próprios, com desdobramentos no trabalho, contribuindo mais efetivamente para a saúde da população.
Em vista dessa assertiva, e com o desenvolvimento do trabalho na comunidade, os estudantes descreveram sua participação no PCI. Pudemos destacar nas respostas deles duas categorias: crescimento pessoal e profissional e oportunidade de vivenciar o trabalho do enfermeiro de saúde pública.
Crescimento pessoal e profissional
Esta categoria destaca a mudança que aconteceu na vida dos acadêmicos ao longo do desenvolvimento do trabalho na comunidade, evidenciando a superação das expectativas negativas e a possibilidade de maior compreensão da atuação profissional do enfermeiro, como exemplificado nos seguintes relatos:
Uma ótima experiência, pois o aprendizado foi imenso, (...) como pessoa e futuro profissional. (AM)
Significou aprendizado não só das questões curriculares, mas também de vida, olhar com outros olhos a comunidade; nem todos que estão lá são ´bandidos´. (AT)
Um novo aprendizado, com vivências a respeito das condições sociais, e como orientar o autocuidado. (AD)
Meu crescimento como pessoa, passando a ver o mundo a minha volta com um outro olhar e meu crescimento como futuro profissional. (AX)
Um aprendizado a mais. Com este tipo de trabalho você percebe o quanto as pessoas necessitam de você (...). Foi importante e válido para minha vida profissional. (BA)
Significou reconhecimento da profissão, reconhecimento pessoal, liberdade de ação. (CB)
Discutindo a relação entre espaço e aprendizagem na formação de profissionais de saúde, Fagundes11 verificou que as experiências com comunidades trazem aprendizagem significativa para os sujeitos, contribuindo para a reflexão acerca das formas tradicionais que as universidades concebem os currículos11. Neste estudo, os estudantes referiram ter adquirido diversos tipos de saberes (aprendizagens) como: 1) melhor capacidade de comunicação (falar e escutar); 2) aprender a se relacionar e a acolher o outro; 3) perceber que a população tem seus próprios saberes; 4) gerir situações que ocorrem no cotidiano do trabalho; 5) resolver problemas criativamente; 6) atentar para uma prática profissional humanizada e 7) compreender de forma mais ampla os limites e as possibilidades da atuação profissional. Estes são aprendizados que, na maioria das vezes, não são previstos nos objetivos das disciplinas, o que sugere pouca atenção por parte dos professores, ainda que os estudantes enfatizem essa necessidade. Desta forma, ressalta-se a importância de a universidade instituir "escutas" das práticas desenvolvidas e investir numa formação cultural sólida e crítica dos estudantes.
Corroborando esta posição, Toralles-Pereira12 aponta a preocupação que a universidade deve ter na formação profissional no que diz respeito à competência técnica associada ao aspecto crítico e à capacidade de resolver problemas, trabalhar em equipe e assumir responsabilidades, participando de forma mais ativa do processo de aprendizagem e de mudança dos sujeitos. Acerca disso, cabe ressaltar que a característica curricular de graduação da Escola de Enfermagem Anna Nery tem como prerrogativa que o ensino aconteça da prática para a teoria, o que, de certa forma, faz com que o aprendizado seja dinâmico e baseado na problematização, a partir da prática assistencial.
Neste sentido, segundo Chirelli Miskima10 as mudanças sociais têm possibilidade de ocorrer na medida em que os profissionais possam atuar como sujeitos do processo de atenção à saúde, construindo um contexto onde as relações interpessoais realizamse numa relação mais democrática, com possibilidade de crescimento dos sujeitos participantes de um projeto solidário, na direção de ações que busquem a emancipação do usuário e da comunidade.
Oportunidade de vivenciar o trabalho do enfermeiro de Saúde Pública
Quando as perguntas do questionário versaram a respeito dos significados acerca da experiência dos estudantes de atuarem na comunidade, com vistas a vivenciarem mais de perto o trabalho do enfermeiro de Saúde Pública, os mesmos responderam:
Uma experiência única com o trabalho em Saúde Pública, onde me senti útil para a comunidade (...) foi uma vivência enorme. (AF)
A noção verdadeira do trabalho em Saúde Pública (BD) Me ajudou a definir o papel do enfermeiro dentro de uma comunidade (BJ)
Foi um trabalho muito bom que me fez visualizar a importância da Saúde Pública, do trabalho em comunidades carentes que necessitam de nossa intervenção (DE)
Significou a tentativa do entendimento dos problemas básicos que acometem esta população (DG)
Além de a maioria estudantes apontar a satisfação diante do desenvolvimento das ações na comunidade, evidenciadas pelas respostas referentes à percepção de crescimento pessoal e profissional, também foi referida a atuação do enfermeiro de Saúde Pública de forma ampliada, mais autônoma, uma vez que o trabalho nas comunidades requer maior autonomia profissional para a promoção e a proteção da saúde dos indivíduos e famílias. Nesse ambiente, o enfermeiro pode realizar importantes ações de saúde junto aos diversos grupos humanos, a partir da compreensão das condições nas quais a população vive, contribuindo mais efetivamente para a melhoria da qualidade de vida e da saúde da população(Silva e Tanaka13). Pensamos que a atitude demonstrada pelos estudantes foi possível graças ao fato de, junto com eles, termos estabelecido estratégias de intervenção na comunidade que diziam respeito à prevenção de agravos e promoção da saúde, bem como as ações curativas necessárias às situações encontradas. Isto favoreceu o constante aprendizado das práticas de saúde coletiva e mais, a aproximação dos estudantes com as circunstâncias de praticar ações de enfermagem nas comunidades, a partir de um diagnóstico de saúde elaborado e implementado por eles, com supervisão docente.
De acordo com Vaughan e Morrow14, em saúde comunitária, os diagnósticos de saúde da comunidade subsidiam a decisão de implantar programas governamentais mais efetivos para melhorar a situação de saúde da população. Da mesma forma, Fonseca e Bertolozzi15 mencionam que a identificação dos problemas de saúde da comunidade pode ser útil no que diz respeito à discussão e implementação de propostas de intervenções que busquem transformar o conteúdo das práticas sociais na saúde, bem como suas articulações na sociedade ou em grupos específicos.
Segundo Silva e Tanaka13, as pessoas na comunidade são reconhecidas como os sujeitos privilegiados de atuação do estudante no processo saúde-doença, fato que propicia a ampliação da visão da doença presente na esfera hospitalar.
Para tanto, na atenção à saúde da população, deve-se levar em consideração a realidade social, os estilos de vida e as necessidades em saúde, características que dificilmente são identificadas na sua totalidade, no ambiente dos serviços de saúde. Talvez por isso, Silva e Tanaka13 afirmem que as comunidades são reconhecidamente um espaço privilegiado para a atuação dos estudantes. Para, além disso, afirmamos que ensinar nas comunidades é uma excelente oportunidade para ampliar a visão de mundo dos estudantes.
Neste sentido, a presença dos estudantes no espaço da comunidade propicia maior sensibilidade em relação aos problemas de saúde da população, maior qualificação pelas ações prestadas e o estabelecimento de uma relação de parceria com os serviços que posiciona os professores e estudantes como atores e co-responsáveis, em última instância, na construção do sistema de saúde (Silva6).
CONCLUSÃO
A Escola de Enfermagem Anna Nery, através dos docentes do Departamento de Enfermagem de Saúde Pública, tem propiciado aos estudantes de graduação experiências junto às comunidades do município do Rio de Janeiro. Nelas, os estudantes desenvolvem ações de pesquisa, ensino e extensão, possibilitando a adequação dos conhecimentos teóricos à prática e, conseqüentemente, o desenvolvimento da capacidade de participar mais ativamente do processo ensino-aprendizagem.
Apesar da relevância desta prática para a aprendizagem dos conteúdos de Saúde Pública, verifica-se que, muitas vezes, o estágio curricular em comunidades não é implementado nos cursos de graduação em virtude de vários fatores, como medo de sofrer violência (especialmente nas comunidades de baixa renda em grandes centros urbanos), desconhecimento da metodologia adequada para este tipo de trabalho, falta de interesse de docentes e discentes, influência do paradigma biologicista hospitalocêntrico, além da facilidade em atender apenas os indivíduos que comparecem nos serviços de saúde e a conseqüente falta de disponibilidade para ir ao encontro do outro em seu contexto e problemática.
A experiência do trabalho na comunidade, para os estudantes de enfermagem que realizaram o Diagnóstico Simplificado de Saúde IV, foi considerada essencial para a aquisição de competências esperadas para sua formação profissional, sendo possível observar a associação das experiências práticas ao conhecimento teórico e crítico do processo de enfermagem na atenção à saúde dos indivíduos e famílias, independentemente das pressões cotidianas que marcam a trajetória de vida e da saúde da maioria das pessoas que residem em comunidades.
Neste contexto, os estudantes puderam ter consciência do seu papel social, foram capazes de atuar na promoção, proteção e recuperação da saúde de pessoas e realizar atividades de pesquisa acerca dos problemas emergentes no ambiente da comunidade. Há que se observar que quando desenvolvem essas atividades na comunidade, os estudantes iniciam um contato mais freqüente com "as realidades sociais", o que pode significar uma discussão profícua para a solidificação de um modelo interdisciplinar de atuação para a área da saúde.
Na voz dos estudantes, as expectativas iniciais por ocasião da chegada ao campo foram marcadas não apenas por medo de encontrar situações de violência, mas pelo desejo de contribuir para a melhoria das condições de saúde da população. Essas expectativas significaram o trabalho desenvolvido na comunidade como possibilidade de crescimento pessoal, maior compreensão da atuação profissional do enfermeiro e oportunidade de vivenciar o trabalho do enfermeiro de Saúde Pública.
Conclui-se que as experiências proporcionadas aos estudantes de enfermagem na comunidade não se restringiram apenas em um aumento de conhecimentos técnicos, mas refletiram também o amadurecimento pessoal dos mesmos durante todo o estágio, ampliando sua compreensão do que seja o trabalho de Saúde Pública, do valor da pessoa que é cuidada ou que está disposta a receber cuidados e da possibilidade de troca de saberes. Nesta perspectiva, a interação dos estudantes com a população no seu contexto social, assim como a cooperação estudantedocente mostraram-se importantes para o processo de ensino-aprendizagem e para o desenvolvimento da autonomia profissional dos futuros enfermeiros.
Referências
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12. Toralles-Pereira ML. Notas sobre educação na transição para um novo paradigma. Interface: comunicação, saúde, educação 1997;1(1):51-8.
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15.Fonseca RMGS, Bertolozzi MR. A epidemiologia social e a assistência á saúde da população. ABEn, 1997. (Série Didática - Enfermagem no SUS).
Recebido em 02/01/2006
Reapresentado em 10/07/2006
Aprovado em 24/07/2006