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CAPES

Volume 6, Número 3, Dez/Dez - 2002

ARTIGOS DE PESQUISA

 

A luta das enfermeiras residentes do Rio de Janeiro pela consolidação da residência na década de 701

 

The historical fight of the resident nurses in Rio de Janeiro in the 70's

 

La lucha de las enfermeras residentes en Rio de Janeiro por la consolidación de la residencia en la década de 70

 

 

Gertrudes Teixeira Lopes

Professora Titular do Departamento de Fundamentos de Enfermagem da FENF/UERJ. Doutora e Livre Docente na Área de Pesquisa em Enfermagem. Membro da Diretoria Colegiada do NUPHEBRAS. Procientista da UERJ. Pesquisadora do CNPq

 

 


RESUMO

Estudo histórico-social tem como objetivo descrever a luta das enfermeiras residentes pela conquista do espaço social nas instituições de saúde do Estado do Rio de Janeiro, na década de 70. Para desenvolver a pesquisa, utilizei como fontes escritas artigos de jornais do Sindicato dos Enfermeiros do Município do Rio de Janeiro (SEMERJ), Traço de União, e do Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro (SINMED); como fonte oral utilizei parte do depoimento de uma agente, integrante do Sindicato dos Enfermeiros e que vivenciou esse movimento. Os resultados revelaram que as enfermeiras lutavam por condições de igualdade entre as demais categorias, pela permanência do Programa no Inamps, por melhores condições de trabalho e pelos direitos trabalhistas. O movimento reivindicatório da categoria naquele período foi muito forte e contou com o apoio dos sindicatos, dos estudantes e de residentes de outras áreas do conhecimento, os quais aglutinaram forças na luta por suas reivindicações.

Palavras-chave: Enfermagem. Residência. Luta das Enfermeiras. Democracia.


ABSTRACT

This social historical study has the purpose to describe the fight of resident nurses to conquer social space in the health institutions in the State of Rio de Janeiro in the 70s. For this study, it was used as writing source articles of Nurses Labor Union in Rio de Janeiro Country Journal, edited by Rio de Janeiro Nurses Labor Union (SEMERJ), Union Feature and Medical Labor Union of Rio de Janeiro (SINMED). It was used as oral source statements of a SEMERJ member who has experienced that moment. The results revealed that nurses have been fighting for equality in working conditions as the other classes of health professionals. They also have been fighting for staying in National Social Security System (INAMPS) Programme, for better work conditions and fair working laws. By that time, the movement of resident nurses was very intense and had the support of the Student's Union as well as other classes of residents that joined forces with them.

Keywords: Nursing. Residence. The fighting of nursing. Democracy.


RESUMEN

Estudio histórico-social que tiene como objetivo describir la lucha de las Enfermeras Residentes por la conquista de espacio social en las instituciones de salud del Estado del Rio de Janeiro en la década de 70. Para desarrollar la investigación se tomó como fuente escrita, los artículos de noticiarios del Sindicato de los Enfermeros del Municipio de Rio de Janeiro (SEMERJ), Traço de União y del Sindicato de los Médicos de Rio de Janeiro (SINMED); como fuente oral usé parte del testimonio de una agente, que hacia parte del Sindicato de los Enfermeros y que vivió aquel momento. Los resultados revelaron que las enfermeras luchaban por condiciones de igualdad entre las demás categorías, por la permanencia del programa en el Inamps, por mejores condiciones de trabajo y por los derechos laborales. El movimiento de reivindicación de la categoría en aquel período fue muy fuerte y contou con el apoyo de los sindicatos, de los estudiantes y de los residentes de otras áreas del conocimiento, los cuales fueron aliados en la lucha por las reivindicaciones.

Palabras-claves: Enfermería. Residencia. Lucha de las Enfermeras. Democracia


 

 

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A história do trabalho, assim como a descrição dos conflitos nela ocorridos em todas as épocas, é difícil de ser relatada.

Nos primórdios, o trabalho tinha como finalidade à obtenção de meios de sobrevivência daquele que o executava. Posteriormente, com a mudança do paradigma do processo de trabalho, ocorreu a apropriação dos fatores de produção e, com ela, a apropriação do homem através da escravidão tanto da terra quanto do capital. Surgiu a acumulação de riquezas pelos detentores dos meios de produção e começaram a aparecer às insatisfações dos trabalhadores utilizados na produção de bens.

O movimento industrial no século XIX, na Inglaterra, e a conseqüente exploração da mão-de-obra foram exemplo de um quadro vivo de homens, mulheres, meninos e meninas claramente arruinados, doentes, deformados, resultante da crueldade do homem para com o homem.

No decurso da história, tem sido observado que a exploração da mão-de-obra permaneceu e se intensificou. Da mesma forma, em sua trajetória, o homem começou a ter mais consciência de seus atos e transformou a sua ação em ousadia para divergir, pensar, combater as injustiças sociais e requisitar os seus direitos de cidadão.

Esses aspectos anteriormente citados foram vivenciados pelas residentes de Enfermagem do Estado do Rio de Janeiro, durante a criação dos primeiros programas e a sua consolidação, requisitando desses profissionais muita luta, coragem e ousadia na busca de um espaço dentro das organizações de saúde, especialmente nos hospitais da rede do INAMPS e nos Hospitais Universitários.

Diante do exposto, delineamos como objetivo deste artigo, descrever a luta das enfermeiras residentes pela conquista do espaço social nas instituições de saúde do Rio de Janeiro na década de 70.

Para desenvolver a pesquisa, utilizamos como fontes primárias os documentos escritos e depoimento oral. As fontes secundárias foram constituídas pelo acervo literário sobre a temática. O campo da pesquisa foi derivado do acervo particular de uma ex-presidente do Sindicato dos Enfermeiros; Biblioteca Estadual e Internet. Os documentos preferenciais foram os jornais da época. Foi entrevistada a primeira presidenta do Sindicato dos Enfermeiros do Rio de Janeiro.

 

O MOVIMENTO SINDICAL NO RIO DE JANEIRO

As desigualdades sociais, a falta de trabalho e outras situações adversas levaram os trabalhadores a se organizar em entidades sindicais, na tentativa de proteger o trabalho e o trabalhador.

Uma das forma de expressão da insatisfação do trabalhador é a greve.

Nessa perspectiva, o Jornal do Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro (SINMED, 1979) enfatizou que a greve:

representa uma angústia coletiva, um estado de espírito frente a uma realidade cruel. É um sentimento que não pode ser determinado segundo vontades do administrador, do legislador ou das lideranças de grupo. É conseqüência de profundas contradições e explode quando estas se tornam incontroláveis.

Nessa linha de raciocínio, continua o jornal, pretender impedir o direito de greve do trabalhador seria, sem dúvida, negar uma verdade social, negar o direito que tem o cidadão de protestar contra a ordem estabelecida, que, na maioria das vezes, defende os interesses das minorias privilegiadas e detentoras do poder.

No bojo dos movimentos reivindicatórios e no seio da década de 70, o Brasil presenciou grandes manifestações sociais de luta pela Democracia, já que vivíamos em um regime autoritário, de repressão e exclusões política e social, tudo isso gerando freqüentes crises nos diferentes grupos da sociedade.

Nessa época, as entidades sindicais foram sendo criadas e consolidadas, a exemplo do Sindicato dos Enfermeiros do Município do Rio de Janeiro (SEMRJ), cuja primeira presidenta foi a enfermeira Maria Bernadete Bandeira dos Santos.

Engajadas nessas lutas, as enfermeiras residentes também encontraram espaço para fazer as suas reivindicações. Dessa forma, o jornal do Sindicato dos Enfermeiros do Município do Rio de Janeiro, Traço de União, publicou a seguinte nota:

 

 

Avançando em suas discussões, os residentes queriam também se organizar em classe, desejavam fundar uma associação para serem porta-voz legítima de uma categoria que vinha crescendo tanto no aspecto quantitativo como no qualitativo, pois começavam a ter uma visão de mundo em que os direitos das pessoas precisavam ser respeitados em qualquer tipo de instituição de Saúde, Educação, Indústria e outras.

Com esse pensamento, um grupo de enfermeiras residentes procurou o Sindicato dos Enfermeiros para uma orientação mais adequada de como se organizar para defender os seus direitos. A presidenta do SEMERJ e seu Assessor Jurídico "desaprovaram a proposta de criar uma Associação de Residentes de Enfermagem" justificando que a missão de uma Associação não é a mesma da do Sindicato. Fica claro pelas declarações constantes na nota (Traço de União 14/78) do SEMERJ que a missão do Sindicato é aquela dirigida às questões trabalhistas e salariais e não de uma Associação.

 

 

A LUTA DAS RESIDENTES DE ENFERMAGEM

O final da década de 70, ao tempo em que se caracterizou pela expansão da Residência de Enfermagem no Brasil e no Rio de Janeiro, também foi cenário de movimentos, lutas e reivindicações empreendidas pelas enfermeiras residentes, que se agregaram ao movimento reivindicatório dos médicos residentes por melhores condições de trabalho, direitos trabalhistas (carteira assinada), concurso público para novos médicos nas instituições de Saúde, entre outras.

A Associação Brasileira de Enfermagem - (ABEn, 1978) - seção Rio de Janeiro, considerando a complexidade da Residência de Enfermagem e o pouco envolvimento das entidades de classe e educacionais no debate sobre o assunto, promoveu e organizou o I Seminário Sobre Residência de Enfermagem, no período de 4 a 6 de maio, no Campus da UERJ, com o objetivo de "estudar e propor normas que servirão de base para a regulamentação da Residência de enfermagem". O seminário foi realizado em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), a Pontifícia Universidade Católica (PUC), a Universidade Fluminense (UFF) e a Universidade Gama Filho (UGF) e contou ainda com a participação de representantes do MEC/DAU, do COREN-Rio de Janeiro, do Sindicato dos Enfermeiros do Município do Rio de Janeiro, da ABEn Nacional, da ABEn distritos Rio de Janeiro, Niterói e Volta Redonda, além de Divisões de Enfermagem de vários hospitais do Estado (Traço de União, 1978).

O seminário foi organizado pela Comissão de Educação, cuja presidenta do evento e também da Comissão era a professora Drª. Elvira Felice de Souza. Entre as principais recomendações, foram consideradas as seguintes características do programa: ensino centrado na prática; integração assistência; administração, ensino e pesquisa. Foi recomendado à ABEn que desse continuidade ao estudo através de outros seminários e que a Residência tivesse como objetivo:

a) aprimorar a prática profissional;

b) oferecer profissionais ao mercado de trabalho, com proficiência nas áreas de especialização previstas;

c) elevar o padrão de assistência da própria instituição.

Observamos que nesses objetivos não constaram os aspectos relacionados com o aprimoramento da qualificação profissional ou capacitação, propriamente dita, do residente. Os três objetivos trataram, uma vez mais, de assunto à sua inserção na instituição assistencial, no mercado de trabalho e não num processo pedagógico que facilitasse essa inserção, inclusive com a melhoria do processo de qualificação e de ofertas de serviços de Enfermagem.

Ainda nesse evento, foi recomendado que os Programas de Residência de Enfermagem observassem: carga horária global de 1.800 horas; carga horária semanal de 40 horas; 70% da carga horária utilizada em atividades assistenciais e 30% em estudo teórico e pesquisa de campo; apresentar estrutura física, organizacional e funcional adequadas à atividade didático-pedagógica. Essa recomendação, na nossa opinião,não teve o efeito esperado.

No mesmo ano, foi organizado o Iº Encontro de Residência do INAMPS, realizado no dia 15 de dezembro, no auditório da Administração Central, promovido pela Secretaria Regional de Medicina Social, sob a coordenação do Dr. Osvaldo Seabra.

Durante esse conclave, foram apresentados diversos temas relacionados com as áreas de Odontologia, Nutrição, Enfermagem, Serviço Social, Medicina e Farmácia. O tema da Enfermagem constituiu-se em "O Residente de Enfermagem e a Equipe Multiprofissional", palestra proferida por duas residentes do Hospital do Andaraí, enfermeiras Conceição de Paula Miranda e Isabel Cristina de Oliveira (Traço de União, 1978). Uma vez mais constatamos que o assunto tratado não se referia às questões polêmicas do Programa, relacionadas ao processo pedagógico.

Em 1979, o Brasil passou por significativos momentos de reivindicações por parte dos trabalhadores de diversas categorias, inclusive da Saúde. Assim, no dia mundial de luta dos trabalhadores, 1º de maio/79, pela primeira vez, desde 1964, 9000 pessoas estiveram presentes no ginásio "Olaria", para essa comemoração, patrocinada por 20 sindicatos e duas federações, "o movimento carioca retorna a iniciativa política, negando o paternalismo do governo, tão comum nos anos anteriores" (SINMED, 1979, p.12).

Em seu pronunciamento, o ex-dirigente do Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro, Alves de Brito, além de apontar as insatisfações que a categoria expressava com relação às condições de trabalho, desvalorização dos profissionais médicos que se tornavam cada vez mais mão-de-obra assalariada, com baixos salários, disse que era no mínimo curioso que se peça ao trabalhador que ajude no combate à inflação. Talvez seja até vergonhoso pedir àqueles que sofrem, esta ajuda, continuou e dirigiu-se ao público em geral, dizendo: Este estádio está mais cheio do que se pensa. Aqui estão presentes todos aqueles que, nos tempos sombrios, ousaram divergir, ousaram pensar, ousaram combater. Não só por ousadia ou combatividade, mas por suas idéias, ideais, vontade e fé.

Nessa mesma época, médicos, enfermeiros e professores do Estado e Município do Rio de Janeiro também elaboraram as suas pautas de reivindicações ao Governo Chagas Freitas, que, através de negociações, não ensejou fosse deflagrada a greve, pois foram atendidas as postulações e, segundo Ferrante (1979), a vitória alcançada pelos profissionais fluminenses da área de saúde deveu-se ao fato de ter sido o movimento bem encaminhado pelas lideranças. Comentou ainda, que isso não foi possível acontecer no Governo arenista do Sr. Antônio Carlos Magalhães, o Xá da Bahia, em que, impunemente, são demitidos do serviço público milhares de funcionários (12 mil só em Salvador).

Esse movimento contou com o apoio total do Sindicato dos Enfermeiros do Município do Rio de Janeiro; para a presidenta, enfermeira Maria Bernadete Bandeira dos Santos, as melhorias de trabalho, salário e outras só seriam obtidas com luta sindical e disse também que aproveitava a oportunidade para fazer um apelo aos enfermeiros, para que se sindicalizassem, o que daria à entidade maior poder de luta.

Nesse momento, volta à pauta de discussões a assinatura da carteira profissional dos residentes, bolsistas e internos e pagamento dos residentes no mesmo nível do serviço público federal, além dos direitos trabalhistas a que fazem jus. Esse movimento também contou com o apoio dos auxiliares de enfermagem, que se constituíram no grande reforço do poder de luta. Um depoente referindo-se ao assunto declara que:

... na época desse movimento geral da área da saúde, entrou também o movimento da Residência, os médicos lutavam por carteira assinada, por assistência médica, por contagem de tempo para aposentadoria e queriam realmente um emprego... e os enfermeiros também foram juntos, os residentes, os estudantes de enfermagem... (Depoente).

Essa mobilização iniciou-se em 1978, ainda no Governo Faria Lima, e somente foi atendida no governo Carlos Chagas, que, no dia 27 de março de 1979, encaminhou à Assembléia Legislativa projeto de lei para ser aprovado em caráter de urgência.

No mencionado projeto de lei, as solicitações dos profissionais de Saúde foram atendidas; no entanto, ficaram de fora as reivindicações dos internos acadêmicos bolsistas e dos médicos residentes.

Diante disso, os sindicatos dos médicos, enfermeiros, farmacêuticos, assistentes sociais, associações de psicólogos, técnicos em radiologia, técnicos em fisioterapia e massagem, médicos residentes - nacional e estadual - e o Sindicato dos Auxiliares e Técnicos de Enfermagem enviaram um documento ao Secretário Estadual do Planejamento, sugerindo emendas para resolver as questões daqueles grupos.

Não sendo atendidos em suas solicitações, os acadêmicos, bolsistas e residentes entram em greve e encaminham ao Governador do Estado, Chagas Freitas, e ao Prefeito da cidade, Israel Klabim, as suas reivindicações, baseadas na lei federal nº 3.999, de 1961, da CLT, assim discriminada: dois salários mínimos por 20 horas semanais de trabalho; carteira de trabalho assinada, melhores condições de atendimento à população (SINMED, 1979).

 

 

Os médicos residentes e internos do Hospital de Clínicas Pedro Ernesto/UERJ também entraram em greve na mesma ocasião, e entre as suas reivindicações contavam: direitos trabalhistas (carteira assinada); sala para a Associação dos Médicos Residentes do Hospital de Clínicas - AMEREHC/UERJ; concurso público para contratação de novos médicos; reabertura da creche (UERJ, 1979).

Em assembléia que reuniu o diretor do Hospital, Jayme Landman e representantes do sindicato, da Associação Nacional dos Médicos Residentes, da Associação dos Médicos Residentes do Estado do Rio de Janeiro e da chapa 2 do Conselho Regional de Medicina, o diretor reconheceu publicamente o direito à carteira assinada, mas preferiu aguardar instruções do MEC. Os residentes, diante desse fato, decidiram voltar ao trabalho. A direção marcou outra reunião, excluindo a presença dos representantes do sindicato e das associações de classe. Nesse plenário, o Prof. Jayme Landman anunciou a extinção da Residência médica. Na semana seguinte, voltou atrás e propôs uma comissão tripartite, composta pela direção, residentes e internos e corpo clínico para , em um prazo de 60 dias, estudar o assunto (UERJ, 1979).

Ainda nesse mesmo ano, 1979, mais precisamente no segundo semestre, profissionais e estudantes de Enfermagem, Nutrição, Serviço Social, Odontologia e Farmácia, dessa vez do Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social - INAMPS - através de suas entidades de classe, iniciaram um movimento de protesto contra a extinção da Residência nessas áreas, anunciada pelo então coordenador de aperfeiçoamento das equipes de Saúde da instituição, Dr. Milton Machado. Desse modo, foi entregue ao presidente do instituto, Dr. Harry Graeff um Memorial solicitando a revogação da medida que previa a extinção da Residência nas áreas supra citadas, para 1980 (Traço de União, 1979).

O Sindicato dos Enfermeiros do Município do Rio de Janeiro, com apoio da ABEn Distrito e Niterói, enviou ao presidente do INAMPS Memorial específico da categoria, além de abaixo-assinado de estudantes de enfermagem, contendo 250 assinaturas, manifesto de estudantes de enfermagem assinado pelo centro acadêmico da UERJ e da UFRJ, nota de apoio aos enfermeiros assinada pela Associação dos Médicos Residentes do Estado do Rio de Janeiro e recomendações do Seminário sobre a Residência de Enfermagem, realizado pela ABEn, em 1978 (Traço de União, 1979).

Dada a dificuldade de leitura do documento, decidimos por resumi-lo. Desse modo, o Memorial, em linhas gerais, solicita ao presidente do INAMPS revogar a medida tomada através da Coordenadoria de Aperfeiçoamento das Equipes de Saúde, em relação à extinção da Residência de Enfermagem, a partir de 1980. Tal medida, segundo os profissionais de Saúde, seria arbitrária e foi tomada sem a participação e anuência dos legítimos representantes da categoria afetada. Ratifica-se ainda no documento a importância e a grande conquista que foi a criação da Residência de Enfermagem e o impacto que ela causou na prática profissional, espelhado no aprimoramento profissional, aprofundamento dos conhecimentos técnico-científicos, além das vantagens que se estendiam para a população e para a Instituição. Os manifestantes ainda se posicionaram fazendo a seguinte pergunta ao Sr. Presidente do INAMPS: POR QUE E PARA QUE EXTINGUIR A RESIDÊNCIA DE ENFERMAGEM NO INAMPS? Apesar do movimento das enfermeiras, a Residência acabou sendo extinta nesse mesmo ano.

Historicamente, a Residência de Enfermagem do INAMPS foi implantada em 1976, com 98 vagas. Em 1978, por solicitação dos diretores dos hospitais, foram autorizadas mais de 200 vagas. Arbitrariamente, em 1979, as vagas foram reduzidas para 22 e, em 1980, previa-se a extinção da Residência. No entanto, segundo o Traço de União (1978, p.3), naquele mesmo ano "numa manobra de se iludir a classe, abre-se na área de Medicina Social, cinco vagas de Residência para as cinco categorias não-médicas: Enfermagem; Nutrição; Serviço Social; Odontologia e Farmácia, numa proporção de uma vaga para cada categoria".

Faziam parte também do Memorial manifestações dos estudantes e dos médicos como se segue.

 


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Os estudantes do C.Verda Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro também foram solidários com o movimento dos residentes.

 

 

Os médicos também prestaram seu apoio aos enfermeiros.

 

 

Pelo exposto, podemos constatar que foram muitas as lutas das enfermeiras residentes e que elas contaram com o apoio de entidades que se aglutinaram para fortalecer o movimento.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As lutas empreendidas na década de 70 constituíram-se em um marco importante para o sindicalismo no Rio de Janeiro e para os movimentos reivindicatórios das diferentes categorias profissionais nesta e nas décadas seguintes.

Os movimentos político-sociais, que emergiram no final dos anos 70, impuseram a criação de novos sindicatos, como, por exemplo, o Sindicato dos Enfermeiros, consolidaram os já existentes, os quais se tornaram entidades importantes e decisivas no resgate da democracia brasileira.

Os registros encontrados nos documentos e a literatura consultada revelaram que a luta desencadeada pelas enfermeiras residentes nesse período foi pioneira, e não mais se repetiu com a mesma intensidade ideológica, política e social nas últimas décadas.

Os movimentos reivindicatórios das enfermeiras, pela consolidação da residência de enfermagem, à época, encontraram eco nas lutas de outras categorias e se fortaleceram principalmente com o apoio das entidades sindicais que lutaram ombro a ombro com esses profissionais.

É importante destacar que nesse período o Brasil ainda encontrava-se sob a égide do regime militar e sob um forte controle social. Por isso, podemos dizer que foi um grande desafio e um ato de bravura e ousadia a luta empreendida pelas enfermeiras residentes.

Como conseqüência desse momento, na década de 80, alguns movimentos foram deflagrados pela consolidação da Residência de Enfermagem. Nesse período, houve avanços e retrocessos, como, por exemplo, dois programas, o do INAMPS e da UFF, foram extintos e outros dois foram criados, o do IFF e o do INCA.

Atualmente, outras lutas vêm sendo empreendidas no sentido do avanço para a consolidação da residência no Brasil. Resta-nos esperar os seus desdobramentos históricos.

 

REFERÊNCIAS

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NOTAS

1Este artigo constitui-se em uma parte da Tese intitulada "A Residência de Enfermagem no Estado do Rio de Janeiro: permanências e rupturas" para concorrer a Professor Titular, defendida em 2001.

 

 

Data de Recebimento: 20/08/2002
Data de Aprovação: 22/10/2002

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