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Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
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Ministério da Educação
CAPES

Volume 1, Número 1, Jan/Abr - 1997

FORMULAÇÃO DO PROBLEMA

O período compreendido entre fins da década de 50 e inicio dos anos 80 marca a cristalização definitiva do hospital, na realidade nacional, como núcleo da atenção médica na sociedade brasileira. No que se refere à enfermagem, tanto os profissionais de nível superior como de nível médio passaram a se concentrar no ambiente hospitalar, em detrimento da assistência à clientela atendida nos postos de saúde, em setores ambulatoriais tipo de pacientes externos e em outros locais dedicados às atividades desenvolvidas nos serviços de saúde pública.

Na década de 50, a adoção de medidas impostas pelo Instituto de Previdência Social -INPS - repercutiu no mercado de trabalho dos enfermeiros e na orientação das Escolas de Enfermagem. Esta época caracterizou-se como predominantemente hospitalar, tanto no ensino quanto na prática. Na época dos anos 60 aconteceram grandes transformações na vida política, social e econômica do país que se refletiram nos programas de saúde... Nos anos 6070, os esforços foram muitos para melhorar a situação... podendo salientar-se a ênfase dada à formação dos recursos humanos e ao treinamento acelerado da mão-de-obra, faltando, contudo, uma definição clara dos objetivos e metas sociais a serem alcançados (Oliveira, 1979).

 

"NOS ANOS SESSENTA, A IDENTIFICAÇÃO DO SOCIAL NA DETERMINAÇÃO DA DOENÇA SE FAZ PRESENTE"

Acrescente-se ao exposto que a distribuição espacial (geográfica) da população brasileira, nessa época, transforma-se de prevalecentemente rural para urbana; o atendimento da previdência social estende-se a todos os trabalhadores; ocorrem mudanças nos padrões da reprodução humana, decorrentes das próprias mudanças socioeconómicas que o país vivencia. Fatos, que se refletem na questão sanitária.

Nos anos sessenta (60), a identificação do social na determinação da doença se faz presente, expressando-se através da ênfase na caracterização da expansão da medicina preventiva e da criação dos departamentos sociais nas faculdades de medicina, entre outros aspectos. A questão de saúde materno-infantil apresenta-se envolvendo aspectos de natureza social, destacando-se, inclusive, como indicador sensível dessas condições.

Em 1975, com a criação do Sistema Nacional de Saúde-SNS (Lei No. 6229/75), ficou delineada a ampliação das bases sociais e o atendimento às reinvidicações populares. Esta lei estabelece que as diferentes agências prestadoras de serviços de saúde formariam um sistema, embora não criassem de fato os mecanismos que regulariam as relações entre eles. Duas redes de assistência foram identificadas: uma curativa (Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social-INAMPS), e outra preventiva (Ministério da Saúde, Secretarias Estaduais e Municipais), ratificando a dicotomia entre Hospital e Postos de Saúde. Aliás, a referida lei nunca foi regulamentada.

O Programa de Saúde Materno-Infantil, embora implantado em 1974, fortaleceu-se em 1975. Segundo a nossa compreensão, uma das grandes consequências do mesmo é a caracterização de uma prática de enfermagem que reproduz, na operacionalização mesma do programa, um discurso e uma ideologia coerente com a política social do país.

Vale referir que, no documento prévio à elaboração do Programa de Saúde Materno-Infantil, constam as conclusões essenciais do Grupo Técnico (assessorado pela OPAS/OMS), instituído pela Coordenação de Proteção Materno-Infantil da Secretaria de Assistência Médica do Ministério da Saúde, e que dizem respeito aos "Subsídios para Proteção Materno-Infantil" (1972).

Cabe ressaltar, consequentemente, que são dois os aspectos fundamentais que identificamos nesse documento, os quais, posteriormente (1974, 1977 e 1984), perpetuaram-se nas bases programáticas dessas versões definitivas:

 

"OS PROGRAMAS UTILIZAVAM UMA FORÇA DE TRABALHO VARIADA QUE COMPREENDIA ATENDENTES OU AUXILIARES OPERACIONAIS DE SERVIÇOS DIVERSOS"

- o primeiro diz respeito ao caráter vertical do programa, isto é, o fato de ter suas metas e normas decididas em nível central e por critérios técnicos (em concordância com o modelo tecnocrata da administração brasileira da época), que impunham às redes de saúde das Secretarias Estaduais um modelo de atendimento, que nem sempre correspondia às condições concretas de saúde das populações assistidas;

- o segundo se relaciona com os instrumentos de operacionalização do programa, cujo manuseio requeria informações (que os funcionários executores das atividades programadas não dispunham), e recursos inacessíveis às Secretarias Estaduais de Saúde (embora a operacionalização pudesse envolver outras instituições, foram as Secretarias Estaduais as principais responsáveis por ela).

Os programas utilizavam uma força de trabalho variada que compreendia atendentes ou auxiliares operacionais de serviços diversos; a maioria apresentava-se sem formação profissional como é o caso do pessoal utilizado nos serviços de saúde estaduais, bem como dos serviços da rede privada que operacionalizaram os programas. A ambiguidade, a amplitude e a interpretação equivocada dos conceitos de "Assistência Primária de Saúde-APS" e de "Educação à Saúde", à época, favoreciam esse fato. Em síntese, os recursos humanos utilizados pelos programas, na fase operacional, não eram, em sua maioria, profissionais na concepção "stricta" da palavra.

A introdução desses conceitos nos programas de formação dos profissionais (de enfermagem), no que concerne ao programa de saúde materno-infantil, foi posterior à sua implantação.

Para Carmem Teixeira Fontes e Cols. (1980, p. 4-10), a partir de 1974, ao deflagrar-se nova crise no sistema capitalista mundial, com graves repercussões para os países dependentes, o Brasil enfrentou, além da crise econômica, uma crescente insatisfação popular. As pressões sociais emergentes e a necessidade de legitimação do regime governamental levaram seus líderes à busca de ampliar as bases de sustentação econômica, aumentando, por exemplo, os investimentos de saúde, educação e benefícios sociais.

 

"...O BRASIL ENFRENTOU, ALÉM DA CRISE ECONÔMICA, UMA CRESCENTE INSATISFAÇÃO POPULAR."

A qualidade do cuidado, na área materno-infantil, varia de classe para classe. As classes proletárias são atendidas pelas agências governamentais, onde os programas de saúde materno-infantil têm suas necessidades dimensionadas pelos recursos públicos, enquanto as classes privilegiadas são atendidas nas instituições dos "Servições Médico-Empresariais" que não se caracterizam como integrantes da rede oficial de instituições de saúde.

No âmbito dos serviços de saúde, os programas de saúde materno-infantil têm sido notoriamente de dois tipos: "assistenciais" e "sociais". Os primeiros sob jurisdição do poder público e que são os programas "assistenciais" administrados pelos Ministérios da Saúde e da Previdência Social. E os "sociais" por órgãos diversos: Legião Brasileira de Assistência - LBA, Entidades Privadas e Filantrópicas, Clubes (Rotary, Lions), e outros.

Os Estados e Municípios possuem também alguns programas de saúde materno-infantil (além dos nacionais e fora do controle governamental) denominados de "assistência social", geralmente dirigidos pelas esposas dos Governadores, dos Prefeitos e do Presidente da República - os programas ou projetos sociais das primeiras-damas.

Há, ainda, alguns programas "sociais" denominados de "especiais" sob administração de "grupos privados", geralmente de caráter filantrópico, que se encarregam de dar proteção ou ajuda a grupos chamados especiais: menores, mães solteiras, mendigos, prostitutas, meninos de rua, deficientes e outros.

Apesar das mudanças ocorridas nas condições de trabalho da mulher, nos estilos de relações entre sexos e casais e nos significados de proteção e criação de filhos, são poucas as modificações nos programas de assistência materno-infantil propostas, o que leva a uma falta de correspondência entre as ações de assistir às necessidades sociais e aos próprios estilos de vida e cultura das populações.

A justo título, referimos a propósito que temos uma experiência profissional de quase duas décadas, participando e acompanhando programas de assistência à mulher e à criança, que ainda utilizam índices de morbi-mortalidade materno-infantil como critério para definição de objetivos e estabelecimento de estratégias de ação, sem atentar, no entanto, para o contexto social e econômico em que se produzem as determinações de tais índices.

 

"...SÃO POUCAS AS MODIFICAÇÕES NOS PROGRAMAS DE ASSISTÊNCIA MATERNO-INFANTIL PROPOSTAS..."

Seguindo a mesma linha de raciocínio, a idéia que perpassa é a de que, na elaboração desses programas, não se tem considerado a evolução das condições sociais e econômicas, nem as transformações que a urbanização, a migração rural e as mudanças na economia determinam na estrutura dos problemas de saúde, embora esses aspectos caracterizados como problemas fiquem registrados nos programas, em especial, à guisa de introdução, apresentação ou fundamentação.

 

OBJETIVOS:

- analisar a articulação existente entre as políticas sociais e especificamente a de saúde e os Programas Nacionais de Saúde Materno-infantil, no período compreendido entre 1974 e 1984, no contexto social brasileiro;

- dimensionar a participação do movimento das mulheres, na formulação das políticas e programas de saúde à mulher e à criança no referido contexto; e

- analisar a participação da enfermagem nos Programas Nacionais de Saúde Materno-infantil, no período pesquisado.

 

BASES TEÓRICAS E METODOLÓGICAS

COM RELAÇÃO AOS SIGNIFICADOS, ELES PERMITEM INCORPORAR AS "VERDADES PARCIAIS"

O estudo da temática proposta reflete as preocupações geradas no exercício da prática profissional e põe em evidência um conjunto de questões que lhe são pertinentes, tais como: o processo de formulação de políticas e de programas de saúde pelo Estado, especialmente na área materno-infantil; o papel da mulher e as relações estabelecidas entre os atores sociais na formulação dessas políticas com destaque para enfermagem e os modelos de prestação dos serviços de saúde materno-infantil gerados nesse planejamento.

Abordo três aspectos que estão relacionados com a conceituação e que servem de base à teorização do estudo: 1) ideologia (Estado, sociedade civil, visão social de mundo); 2) Saúde (aspectos: econômico, político e ideológico); 3) políticas sociais e movimentos sociais.

O termo impacto neste estudo refere-se a efeitos produzidos por alguma mudança no quadro geral da problemática e, neste caso, traduz os resultados ou consequências práticas dos programas sobre as condições da mulher e da criança. E ainda pode referir-se a efeitos potenciais traduzidos, posteriormente em mudanças de planos de formação de recursos humanos e, consequentemente nas orientações e intencionalidades de investigação.

A pesquisa é de natureza qualitativa, pois supõe uma posição de qualidade para preservar a apreensão dos significados. Com relação aos significados, eles permitem incorporar as "verdades parciais" e estabelecer a relação entre: a) mundo natural e social; b) pensamento e base material; c) objeto e suas questões; d) a ação do homem como sujeito histórico e as determinações que acondicionam (Minayo, 1992, p. 12).

Nesse sentido entende-se que a problemática não se apresenta isolada de outras realidades sociais e sim relacionada com a problemática teórica e metodológica a que está submetida: às mesmas vicissitudes, avanços, recuos, interrogações e perspectivas da totalidade sociológica da qual faz parte.

A análise desses aspectos, com o objetivo de formular explicações teóricas confiáveis, determinou a opção por uma abordagem qualitativa como a proposta metodológica que melhor atende aos objetivos do estudo e que nos parece mais capaz de dar conta do problema. Assim, para fortalecer uma abordagem qualitativa dos dados, recorre-se à técnica da análise documental.

Os documentos constaram dos Programas Nacionais de Saúde Materno-infantil, relatórios de órgãos nacionais e internacionais; leis e relatórios, como fontes primárias. Esta análise documental foi auxiliada pela entrevista temática, outros estudos da matéria e/ou documentos científicos bem como pela bibliografia pertinente, como fontes secundárias.

Para efeito deste estudo, optamos por uma análise descritiva do significado do conteúdo, denominada de "análise temática". A intenção da análise de conteúdo é a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção (ou eventualmente de recepção), que recorre a indicadores (quantitativos ou não). A inferência, neste caso, é uma operação lógica, pela qual se admite uma proposição em virtude da sua ligação com outras proposições já aceitas como verdadeiras.

Na compreensão desses dados tomei, como estratégia de análise, a identificação das convergências e divergências nas afirmações dos documentos e nas falas das entrevistadas, que resultaram nas seguintes temáticas e categorias, assim apresentadas:

- o Estado e os Programas de Saúde à Mulher e à Criança: serviços de saúde; modelo de programação;

- A Enfermagem e os Programas de Saúde à Mulher e à Criança: assistência de enfermagem; dinâmica da atuação da enfermagem.

 

RESULTADOS

A institucionalização da proteção de saúde materno-infantil se dá quando da reforma sanitária de Carlos Chagas, na década de 20, desenvolvendo-se em períodos subsequentes por força dos dispositivos legais e programáticos. Inúmeras foram as modificações em nível ministerial e, consequentemente, no planejamento e na organização da assistência materno-infantil.

Os problemas mais gerais dos serviços de saúde no Brasil são amplamente conhecidos e registrados, conforme consta nos documentos (governamentais e não governamentais), citados neste estudo e na bibliografia pertinente. Embora reconhecendo que tenham sido adotadas, nestas últimas décadas, diversas medidas técnico-operacionais para melhorar a eficiência e a equidade do sistema público de saúde, estas não têm se caracterizado em verdadeiras reformas de políticas públicas e de saúde como desejadas e conclamadas.

 

"...A SITUAÇÃO DA MULHER E DA CRIANÇA, AINDA HOJE, É BASTANTE GRAVE"

A questão que se coloca de imediato, após 30 anos de inclusão de medidas de proteção à mulher e à criança na legislação sanitária brasileira, do movimento feminista pela saúde da mulher, do esforço de apelos (apesar de modestos) do movimento (interno) de mulheres profissionais, em nível central, é que a situação da mulher ainda hoje, é bastante grave, persistindo altos índices de morbimortalidade materna e infantil.

O papel do Estado tem sido limitado em definir programas, normas e critérios técnicos, no plano nacional. Caracterizando-se um modelo tradicional, tecnocrata, de administração, impondo-se às redes das Secretarias Estaduais e Municipais como um modelo de atendimento nem sempre correspondente às condições concretas de saúde das populações assistidas e nem sempre equivalente aos quantitativos e qualitativos de profissionais e demais trabalhadores da área da saúde que poderiam executar esses programas.

Acrescente-se a isso que os serviços de saúde à mulher e à criança, em que pese os esforços conjuntos do MS, MPAS, do UNICEF, da OPAS/ OMS e outros organismos, não têm sido, satisfatoriamente, contemplados nos orçamentos oficiais.

Segundo a opinião da maioria dos ex-coordenadores e das enfermeiras da COMIN/ MS, a maior dificuldade sentida, em nível central, refere-se aos problemas de escassez dos recursos orçamentários (diminuindo progressivamente) para a normatização e o treinamento dos recursos humanos, para a aquisição de material bibliográfico e para o apoio financeiro às consultas, visitas para assessoria, supervisão e outras.

Desse modo, as questões que gostaríamos de destacar, relacionadas com a situação da saúde das mulheres e das crianças, são: a influência ou não do movimento feminista na determinação dessas políticas e programas e a formulação e operacionalização desses programas, com destaque para as atividades de enfermagem.

O debate sobre a necessidade de oferecer serviços de saúde à população pelo sistema público, e que mobilizou os grupos organizados de mulheres, tem sido caracterizado por um forte movimento em favor da luta pelos direitos de cidadania (civis, políticos e sociais) e pela democratização da saúde.

Nesse movimento, a contradição mais evidente que foi identificada é que, enquanto se conclama mais por serviços de saúde públicos (gratuitos), mais se fortalecia o complexo médico-empresarial, o que garantia, desta forma, a dominação capitalista da prática médica, comprometendo até a pretendida racionalidade administrativa dos programas.

 

"O MOVIMENTO FEMINISTA E AS ENTIDADES DE MULHERES TÊM DESEMPENHADO UM PAPEL FUNDAMENTAL, ENQUANTO ENTENDIDO COMO FORUM DE DEBATE DAS QUESTÕES DA SAÚDE."

O movimento feminista e as entidades de mulheres (governamentais e não governamentais) têm desempenhado um papel fundamental, enquanto entendido como forum de debate das questões da saúde. Sua contribuição tem-se dado, principalmente, através da análise e crítica das proposições governamentais (ou não), nas políticas e programas de saúde, das distorções de modelos de assistir, ineficácia dos serviços de saúde e das más condições de saúde do grupo visado. Suas principais reivindicações dizem respeito às temáticas (que também se tornaram públicas): direito à procriação, sexualidade e saúde, planejamento familiar, descriminalização do aborto, democratização da educação para a saúde, e outras medidas entendidas na esfera da "saúde pública" e não do "ato médico".

Cabe enfatizar que, embora o movimento feminista tenha contribuído, substancialmente, para a mudança de abordagem - no plano do discurso estatal - da conceituação de assistência de saúde à mulher e à criança (de mãe para mulher e de filho para criança) enquanto programas específicos (e não mais materno-infantil), a operacionalização mesma da oferta e da qualidade dos serviços continua sendo com enfoque biológico, curativo e, ainda, é oferecido de forma limitada na esfera pública.

Em relação aos programas de saúde, na área materno-infantil, embora sua evolução caracterize uma suposta mudança no enfoque de "normativo" para "estratégico", vale dizer que os mesmos não têm traduzido efeitos positivos nos níveis de saúde da população, uma vez que os principais problemas de saúde da mulher e da criança não se encontram nas "metodologias" que assegurem ações de saúde do tipo de "quem faz" e "como se faz", permanecendo no nível social e estrutural, as características que encontraram seu perfil na dimensão epidemiológico-social.

 

"A FINALIDADE NO PSMI (1974) ERA REDUZIR OS ALTOS ÍNDICES DE MORBIMORTALIDADE MATERNO-INFANTIL"

A evolução dos programas de saúde materno-infantil apresenta características comuns em oito elementos constitutivos: planejamento, articulação, finalidade, unidades de serviços, subprogramas e atividades, recursos humanos, participação comunitária, e modelo adotado.2

No planejamento, constata-se que na determinação das diretrizes há, realmente, um acréscimo como se fossem complementos, acarretando uma expansão de papéis e de atividades na programação. Exemplificamos a seguir:

Quanto ao planejamento: no PSMI (1974), determinou- se que a programação seria por serviços prioritários; no PSMI (1977), que obedeceria à implantação dos serviços básicos e, no PAISM e PAISC (1984), definia-se a expansão dos serviços básicos.

A articulação no PSMI (1974) se daria nos níveis federal, estadual e municipal; no PSMI (1977) se definiria a regionalização dos serviços e no PAISM e PAISC, surgia a referência e contra-referência.

A finalidade no PSMI (197 4) era reduzir os altos índices de morbi-mortalidade materno-infantil; no PSMI (1977),desejava-se obter a descentralização técnico-administrativa; e, no PAISM e PAISC ( 1984), a idéia era a de ampliar a rede dos serviços básicos face à necessidade de extensão de cobertura de atendimento.

As unidades de serviços, nos PSMI (1974 e 1977) e no PAISM e PAISC (1984), obedeceriam aos níveis de complexidade, do mais simples até o hospitalar, apenas salientando que no PAISM e PAISC, mudam as denominações dessas unidades.

Quanto ao modelo de programação dos subprogramas e das atividades, verifica-se uma expansão dos conteúdos a serem focalizados, conforme o registrado nesses programas. No PSMI (1974) a assistência materna limitava-se ao processo da reprodução (pré-natal, parto e puerpério); no PSMI (1977), além dessa assistência, foi acrescentada a assistência pré-concepcional e concepcional; no PAISM (1984), são incluídos conteúdos da assistência clínico-ginecológica.

 

"...ESTES RECURSOS APARECEM COERENTES COM AS POLÍTICAS DA ÉPOCA"

A assistência à criança, no PSMI (1974), era dirigida às crianças e adolescentes. As atividades eram especificadas aos menores de 1 ano e aos maiores de 1 ano; no PSMI (1977), são explicitadas as atividades ao recém-nascido, ao menor de um (01) ano, ao de 1-4 anos, ao escolar de 12 até 18 anos; no PAISC (1984), são definidas, sem limitar por faixa etária, as atividades básicas: aleitamento materno e orientação alimentar, assistência e controle das infecções respiratórias agudas (IRA), imunizações, controle das doenças diarréicas e acompanhamento do crescimento e desenvolvimento.

Os recursos humanos, no PSMI (1974), foram explicitados: pediatras, obstetras, enfermeiros, nutricionistas e assistentes sociais; auxiliares e práticos de enfermagem, atendentes e visitador sanitário; já no PSMI (1977), não são mais explicitados esses trabalhadores, e aponta-se a atuação da equipe multiprofissional de acordo com os níveis dos serviços; e no PAISM e PAISC (1984), aponta-se somente a equipe multiprofissional.

Quanto ao modelo adotado, em cada programa, estes recursos aparecem coerentes com as políticas da época: no PSMI (1974) são as Ações Integradas de Saúde-AIS; no PSMI (1977) continuam as AIS e acrescenta-se o Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento - PIASS; no PAISM e PAISC (1984) surge o modelo da Assistência Integrada à Saúde, à mulher (AISM) e à criança (AISC). Sendo que, em todos os programas referenciados, se faz presente a diretriz relacionada com a necessidade de participação comunitária.

 

"O QUE FICA EVIDENTE É QUE AS LIMITAÇÕES DOS SERVIÇOS DE SAÚDE SÃO DE CARÁTER ESTRUTURAL"

Para as enfermeiras da equipe técnica dos programas de saúde à mulher e à criança, em nível central, os programas estão em andamento: uns mais avançados, outros menos avançados e muitos com grandes dificuldades. O que fica evidente é que as limitações dos serviços de saúde são de caráter estrutural, pois não dispõem dos recursos necessários para a realização das atividades programadas (humanos, materiais, institucionais e, principalmente, orçamentários).

O impacto dos programas nos índices de morbi-mortalidade materna e infantil, segundo os ex-coordenadores dos programas e as enfermeiras que neles atuam, não foi observado ou mensurado. De acordo com a opinião de um ex-coordenador da DINSAMI, não tem havido proposta de trabalhar com indicadores de impacto porque "a área da saúde não é a única responsável pela saúde ou pelas mudanças na saúde".

Os gráficos que mostram os dados de morbimortalidade, do grupo materno-infantil, mesmo nos documentos oficiais, demonstram que não foram observadas mudanças significativas no período de implementação dos programas em estudo.

Os profissionais da equipe técnica que integram os programas de saúde da mulher e da criança entendem que para a atuação, nesses programas, se requer de uma equipe multiprofissional. Nos programas estudados, inicialmente apontavam-se como elementos nucleares: médico, enfermeira, odontólogo, visitador sanitário, imunizador, parteira empírica (de acordo com a região). No PAISM e PAISC (MS, 1984), é enfatizada a importância da composição de uma equipe multiprofissional, não se apontando mais que tipo de profissional faria parte.

Em nível central, além do pessoal administrativo, a equipe se resume a médicos e enfermeiras. No nível local, algumas vezes essa equipe limitava-se ao médico e à enfermeira. Em outras, existe o médico e a auxiliar de enfermagem (ou atendente).

Um dos ex-coordenadores da DINSAMI, com muita propriedade, identificou que a área materno-infantil requer uma visão multiprofissional. Na nossa compreensão a problemática da mulher e da criança se estende além da área técnica. A qualidade da assistência integral requer a participação de outros profissionais tais como: antropólogos, sociólogos, educadores, outros.

As propostas internacionais e nacionais sobre "recursos humanos de saúde", década de 1970 e 1980, se caracterizam por dar destaque hegemônico ao profissional "médico", em detrimento dos outros profissionais e demais trabalhadores da área da saúde, com sérias implicações para a prática profissional e para a adoção do trabalho em equipe.

 

"NA NOSSA COMPREENSÃO A PROBLEMÁTICA DA MULHER E DA CRIANÇA SE ESTENDE ALÉM DA ÁREA TÉCNICA"

A questão da inserção da enfermagem nos PSMI, quando de sua implantação, em 1974, ocorre em um período em que se reabre o debate na área da saúde, possibilitando a discussão e a reflexão sobre a situação da enfermagem no contexto político-social brasileiro.

Desde o primeiro programa de saúde materno-infantil, a enfermagem foi caracterizada pela concepção de "execução" de tarefas e de acordo com o local onde se realizam os cuidados, indicando-se o que deve ser feito e descrevendo-se procedimentos tradicionais na assistência à mãe e à criança. Suas ações representam medidas de intervenção nas instituições de saúde, buscando racionalizar os recursos humanos, especialmente, os de enfermagem. Nessa proposta, o Estado, no dizer de Marques (1988), estabelece as relações de poder e de hierarquia, traduzindo uma divisão de trabalho bem definida entre as profissões e na equipe de saúde e na de enfermagem entre as diferentes categorias.

Quanto à prática da enfermagem profissional, a situação era, contudo, legal nos termos da Lei No. 2.604/55, que dispunha sobre o exercício profissional em geral e o da enfermagem obstétrica. Esta Lei não respondia às necessidades sentidas pela categoria que questionava, principalmente, a condição ambígua de ser a enfermeira universitária e de desempenhar um papel subsidiário. (Situação que só foi modificada em 1986, quando é promulgada a Lei No. 7.498/86).

A produção científica de enfermagem sobre este tema, embora possa ser considerada relativa mente vasta (54 trabalhos) para a época, revela uma postura "a crítica" (Semiramis, 1984), pela falta de fundamentação teórica, e pelas avaliações subjetivas dos objetivos propostos, com reprodução de estatísticas oficiais que não satisfazem aos resultados apontados.

 

"...NELE, A ENFERMEIRA ATUA, PREDOMINANTEMENTE, NA ESFERA ADMINISTRATIVA"

A participação das enfermeiras em nível central, em que pese um certo grau de qualidade da contribuição da enfermagem na área - através da capacitação e do desenvolvimento de recursos de enfermagem na área materno-infantil, foi limitada por condições históricas que impediram sua expansão e fortalecimento.

No período de 1970 a 1985, muitas proposições emergem de eventos técnico-científicos promovidos pela classe, com assessoria principalmente da OPAS/OMS. Neles, verificam-se diretrizes e conceitos sobre assistência de enfermagem dirigida à mãe e à criança que, no plano do discurso, são até bem avançados. Nesse mesmo período, alguns modelos de prática, também, surgem liderados por docentes de enfermagem.

Reconhecendo que muitas têm sido as lutas empreendidas pelas entidades de classe (ABEn, COFEn e Sindicatos) e pelas enfermeiras interessadas na situação da enfermagem, quanto à definição das funções próprias da enfermeira, podemos afirmar que avançamos, tanto no plano da discussão quanto no conceituai. Contudo, ainda deparamos com sérios problemas no plano operacional.

Desse modo, podemos dizer que os principais problemas evidenciados, em que pese os avanços admitidos, referem-se à caracterização de um papel (de desempenho) da enfermeira, que, no modelo tradicional de atuação na assistência à mãe e à criança, é limitado. Nele, a enfermeira atua, predominantemente, na esfera administrativa. No âmbito da prática entretanto, verifica-se a insuficiência de quantitativos e qualitativos de enfermagem. A dinâmica de atuação da enfermeira na assistência de saúde à mulher e à criança complica-se, ainda, diante da polêmica sobre se a enfermeira, nesse setor, deve ser especialista ou generalista, e das divergências existentes quanto à prática da consulta e à prática da execução do parto e da auditoria dos cuidados pela enfermeira.

Essa concepção limitada da atuação da enfermeira e, consequentemente, da enfermagem, nos programas nacionais de saúde materno-infantil e, portanto, definida pelo Estado, acrescida da visão pouco dinâmica da saúde, das polêmicas e das divergências sobre funções específicas da enfermeira, na área, não justificaria este estudo se terminasse nesta análise. Entretanto, vale enfatizar que não esgotamos todas as possibilidades de discussão sobre o tema, embora nossos resultados tivessem permitido um aprofundamento da questão, oferecendo uma riqueza de informações que poderão subsidiar análises futuras. Configura-se, com clareza, um quadro referencial para estudos pelos profissionais da saúde e da enfermagem na área materno-infantil, que transcende o "ritual acadêmico" de concluir aqui e agora. Nesse sentido, a nossa perspectiva é de continuidade de investigação do tema, assegurando estudos mais avançados face à determinação de linhas específicas de pesquisa não só favoráveis à criação de núcleos de pesquisa, ou de fortalecimento dos já existentes, mas principalmente de forma a impulsionar os estudos pertinentes à questão da mulher e da criança na Escola de Enfermagem Anna Nery-EEAN/UFRJ.

 

"VALE ENFATIZAR QUE NÃO ESGOTAMOS TODAS AS POSSIBILIDADES DE DISCUSSÃO SOBRE O TEMA"

Por último, mas não por fim, mesmo admitindo-se as possíveis limitações do nosso estudo, acreditamos em sua força de intensão conceituai para assegurar o progresso da enfermagem, na área da saúde da mulher e da criança. E, sem dúvida, não podemos deixar de apontar sua singular intenção metodológica, compatível com a emergência de um foco epistemológico de aproximação entre os temas de enfermagem desta área e as questões de gênero, saúde e desenvolvimento da condição feminina na sociedade.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

A bibliografia consta (156) de documentos oficiais sobre Programas de Saúde Materno-infantil, relatórios de órgãos nacionais e internacionais; dispositivos legais relacionados com a criação de órgãos, instituições, regulamentos, estatutos; conferências e discursos de Presidentes, Ministros, feministas e enfermeiras pesquisadoras; relatórios de eventos na área; obras publicadas em forma de livros, etc.

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