Volume 16, Número 2, Abr/Jun - 2012
PESQUISA
Roteiro de coleta de dados de enfermagem em alojamento conjunto: contribuições da articulação ensino-serviço
Kleyde Ventura de Souza1
Ludmila Taborda Moreira Assis2
Tânia Couto Machado Chianca3
Carla Lima Ribeiro4
Amélia Cristina Gomes5
Rosângela de Jesus Lima6
1 Doutora em Enfermagem pela Escola de Enfermagem Anna Nery. Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública (EMI), da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte - MG. Brasil. E-mail: kleydeventura@uol.com.br
2 Especialista em Enfermagem Obstétrica pela Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte- MG. Brasil. E-mail: ludtabordinha@yahoo.com.br
3 Pós-Doutora no Center for Nursing Classifications - The University of Iowa, USA. Professora Titular do Departamento de Enfermagem Básica da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte - MG. Brasil. E-mail:tchianca@enf.ufmg.br
4Bacharel em Enfermagem pela Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte- MG. Brasil. E-mail: krlaribeiro@yahoo.com.br
5 Acadêmica de Enfermagem. Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais .Belo Horizonte - MG. Brasil. E-mail: amelia.cgomes@hotmail.com.br
6 Especialista em Enfermagem Obstétrica pela Escola
de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais. Coordenadora de Enfermagem da Linha de Cuidado Materno-Infantil do Hospital Risoleta Tolentino Neves- HRTN. Belo Horizonte - MG. Brasil. E-mail: rosangela.lima@hrtn.fundep.ufmg.br
Recebido em 23/06/2011
Reapresentado em 15/10/2011
Aprovado em 15/03/2012
RESUMO
A Sistematização da Assistência de Enfermagem/Processo de Enfermagem é uma atividade privativa do enfermeiro que subsidia as ações de enfermagem que possam contribuir para a promoção, prevenção, recuperação e reabilitação da saúde do indivíduo, família e/ou comunidade. O presente estudo objetivou aperfeiçoar instrumentos de exame físico, constituinte da primeira fase do Processo de Enfermagem, embasados na Teoria das Necessidades Humanas Básicas. Os instrumentos foram direcionados à puérpera e ao recém-nascido em alojamento conjunto de uma maternidade de ensino em Belo Horizonte/Minas Gerais, campo de prática, pesquisa e extensão em articulação com uma unidade acadêmica. Desenvolvida à luz da pesquisa convergente-assistencial, a experiência proporcionou condições para o fortalecimento da parceria ensino-serviço e estratégia para a melhoria da qualidade da assistência e da formação profissional, além de contribuir para a ressignificação do serviço como espaço de cuidado e educação.
Palavras-chave: Processos de Enfermagem. Exame Físico. Enfermagem.
INTRODUÇÃO
O Processo de Enfermagem (PE), compreendido como instrumento metodológico para a assistência de enfermagem, tem se configurado como uma das formas de sistematizar a assistência de enfermagem, de modo a identificar e solucionar situações, considerando um dado contexto, em um período de tempo, visando à produção de resultados positivos para a saúde de um indivíduo, família ou comunidade1.
Desse modo, a sistematização da assistência de enfermagem (SAE) tem se conformado no principal modelo metodológico para o desempenho sistemático da prática da enfermagem ou como um importante instrumento tecnológico, no sentido de beneficiar o cuidado, organizar as condições para a sua realização e, também, documentar a prática profissional2. No que se refere à enfermagem, pode melhorar a visibilidade e o reconhecimento profissional, além de representar uma possibilidade concreta de avaliação de sua prática3.
No entanto, no Brasil, pesquisas vêm demonstrando que, na prática, existem dificuldades na sua utilização4. Entre as dificuldades operacionais identificadas, encontram-se a falta de conhecimento acerca das fases ou etapas do PE, o número excessivo de tarefas para a equipe de enfermagem e, para a enfermeira, a deficiência na qualidade da educação profissional, e, ainda, a insuficiência no desenvolvimento de sua primeira etapa, entrevista e exame. Pode-se também destacar o grande número de atividades técnicas e burocráticas sob a responsabilidade da enfermeira, em detrimento da realização do PE5.
Em recente pesquisa realizada sobre o significado do PE na ótica de enfermeiras de uma maternidade de referência e local de ensino e pesquisa, em Fortaleza/CE, Brasil, verificouse que o PE é compreendido como uma atividade inviável na prática, sendo executada apenas pelos acadêmicos de enfermagem, que acabam por não interagir com os profissionais. As conclusões dessa pesquisa apontaram a necessidade de incentivo por parte da gerência e administração de enfermagem em ações de capacitação profissional, bem como a concretização da integração docente-assistencial, de modo a enriquecer o conhecimento e a prática, tanto dos profissionais quanto dos acadêmicos6.
Nesse sentido, com vistas à melhoria da integração docente-assistencial foi realizado um projeto de pesquisa referente à implementação do PE, no setor de maternidade de um hospital universitário, em Belo Horizonte/Minas Gerais, sendo este campo para o ensino, a pesquisa e a extensão em articulação com as unidades acadêmicas de uma universidade pública. Esta iniciativa demonstra o interesse na qualificação da assistência de enfermagem e o estreitamento das relações entre academia e serviço, com vistas à formação profissional qualificada, por meio do desenvolvimento de projetos de ensino, pesquisa e extensão.
Assim, este estudo teve com objetivos aperfeiçoar instrumentos de exame físico, tipo check list, direcionados à puérpera e ao recém-nascido (RN), em alojamento conjunto (AC), bem como acompanhar a aplicação do instrumento e o registro dos dados do exame físico, realizados pelas enfermeiras do serviço no sistema eletrônico da instituição.
MATERIAL E MÉTODO
Trata-se de uma pesquisa convergente assistencial, que é uma modalidade de pesquisa desenvolvida simultaneamente à prática assistencial. A finalidade desse tipo de investigação é encontrar soluções para problemas, realizar mudanças e introduzir inovações na situação social, não se propondo a generalizações. Assim como as demais modalidades de pesquisa, segue normas de rigor científico; os sujeitos pesquisados envolvem-se ativamente no processo de pesquisa, e se reconhecem os dados da prática como dados de pesquisa7.
O estudo foi realizado no setor de maternidade de um hospital universitário, em Belo Horizonte/Minas Gerais e teve como foco o aperfeiçoamento de instrumentos de exames físicos, tipo check list, de puérperas e RN internados em setor de AC.
As etapas desenvolvidas seguiram a trajetória metodológica realizada no estudo de Lima et al. (2006)8, com adaptações. Assim foram definidas cinco etapas.
Primeira etapa: Elaboração de instrumentos denominados roteiro de exame físico da puérpera e roteiro de exame físico do RN
Para elaboração dos instrumentos foi realizado um levantamento bibliográfico sobre o exame físico de puérperas e RN, em livros-textos que compõem a ementa da disciplina Saúde da Mulher e do Recém-Nascido da instituição de ensino, com a par ticipação de alunos da graduação em Enfermagem que se encontravam no local do estudo realizando ensino clínico. A teoria selecionada para guiar a fundamentação dos instrumentos foi a de Necessidades Humanas Básicas (NHB) de Horta9, visando a contemplar as necessidades psicobiológicas, psicoespirituais e psicossociais.
Segunda etapa: validação de conteúdo
A validação consistiu em verificar se os instrumentos mediram o que pretendiam medir, isto é, se apresentavam consonância com os objetivos propostos de avaliação física da puérpera e do RN10. Para tanto, foram entregues às 13 enfermeiras do setor um instrumento impresso com vistas à avaliação de conteúdo11. As enfermeiras assinalaram se concordavam ou discordavam do conteúdo de cada sessão do Exame Físico da Puérpera e do RN em um espaço para o registro dessas observações, isto é, críticas e sugestões.
Participaram dessa atividade as enfermeiras com prática assistencial em AC há pelo menos um ano. As participantes verificaram que as cinco NHB foram contempladas nos instrumentos e julgaram que os aspectos relativos ao puerpério imediato e ao bom desenvolvimento do RN foram considerados.
Terceira etapa: refinamento dos itens do instrumento de coleta de dados
O refinamento do instrumento foi realizado em uma reunião entre as pesquisadoras e as enfermeiras, cujo objetivo foi analisar o conteúdo de cada sessão do exame físico, levando em consideração as críticas e sugestões elencadas na etapa anterior. Posteriormente, as pesquisadoras coletaram 65 exames físicos de puérperas e bebês utilizando o instrumento de coleta de dados refinado. Tal fato permitiu que um novo refinamento do instrumento, a partir de questões práticas de linguagem técnica e conteúdo, fosse feito antes de ser inserido no prontuário eletrônico na fase seguinte.
Quarta etapa: acompanhamento no setor de Tecnologia e Informação (TI) do hospital na inserção dos instrumentos no sistema eletrônico da instituição
Este acompanhamento foi realizado pelas pesquisadoras objetivando garantir que o conteúdo de ambos os instrumentos e as críticas e sugestões apontadas pelas enfermeiras fossem contemplados, por oportunidade do desenvolvimento dos instrumentos. A informatização foi conduzida de forma criteriosa, evitando a dissociação entre a ferramenta tecnológica criada, as rotinas do setor e a prática das enfermeiras.
Quinta etapa: acompanhamento da realização do exame físico pelas enfermeiras do setor de AC e do registro dos dados nos roteiros inseridos no sistema eletrônico
O acompanhamento se deu na forma de observação participante. Nesse tipo de observação, o pesquisador se insere no espaço do grupo observado e tornar-se parte dele, com a intenção de partilhar o seu cotidiano, apreendendo e experimentando o espaço social da pesquisa, para apreender o que significa estar naquela situação. Tem-se na observação participante a oportunidade de unir o objeto ao seu contexto, contrapondo-se ao princípio de isolamento no qual, em geral, ocorre a formação acadêmica12.
Atendendo às determinações da Resolução N° 196/ 1996, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), do Ministério da Saúde (MS), todas as participantes receberam informações sobre o processo de realização do estudo e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Vale ressaltar, ainda, que essa pesquisa foi avaliada e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (COEP) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sob o protocolo de n° 0399.0.203.000-01.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O exame físico é um procedimento de grande relevância. Possibilita que a enfermeira avalie as condições gerais e específicas da clientela, elaborando com maior precisão os diagnósticos de enfermagem, identificando as necessidades do indivíduo, família e/ou comunidade e as ações necessárias para atendê-las de uma forma individualizada. Sendo assim, propicia à enfermeira condições para tomar decisões mais seguras e corretas acerca dos cuidados com o ser humano, inclusive antecipando e controlando possíveis complicações13.
Os resultados foram descritos seguindo a sequência de etapas de realização do estudo. Vale ressaltar que em todas as etapas houve a participação de estudantes de graduação e bolsistas de extensão, e, nas últimas etapas, de uma estudante de especialização em Enfermagem Obstétrica.
A construção dos instrumentos foi realizada a partir de revisão das principais teorias de enfermagem, sendo selecionada a Teoria das NHB9. Essa seleção foi feita em virtude de ser esta uma teoria que permite a avaliação da clientela como um todo indivisível, compreendendo o ser humano como o alvo do cuidado em que se deve avaliar e prestar uma assistência voltada para as necessidades psicobiológicas, psicossociais e psicoespirituais. A estrutura buscou retratar, além do referencial teórico adotado, a dinâmica do serviço, o padrão de organização da assistência e a especificidade da clientela assistida.
O roteiro de exame físico da puérpera foi constituído de itens relacionados à identificação da usuária e história obstétrica atual; às necessidades psicobiológicas de oxigenação e circulação, hidratação e nutrição, eliminação, sono e repouso, motilidade, cuidado corporal e integridade física, integridade cutânea-mucosa, regulação e retorno dentro da normalidade anatômica e fisiológica aos padrões pré-gestacionais; às necessidades psicossociais de afeto (vínculo com RN), comunicação, autoestima, autoimagem e autorrealização; e às necessidades psicoespirituais, envolvendo a religião da mulher.
O roteiro do exame físico do RN foi estruturado de acordo com os critérios do exame físico cefalocaudal. Na primeira parte do instrumento constavam os dados de identificação da criança. Os itens subsequentes estavam direcionados ao exame físico e era possível perceber a distribuição em NHB psicobiológicas, de percepção, exame da cabeça e pescoço, oxigenação, circulação, regulação fisiológica, hidratação, nutrição, eliminação, integridade física, higiene, mecânica corporal, sono e repouso; psicossociais, de afeto, comunicação, segurança; e, psicoespirituais, identificadas pelas crenças e/ou religião dos pais.
Ao final de cada exemplar do roteiro foi disponibilizado um espaço para observações cujo objetivo foi descrever algum dado não contemplado na estrutura dos instrumentos, não perdendo-se, assim, a oportunidade de registrá-lo, e/ou inseri-lo.
O resultado alcançado na primeira fase dessa pesquisa foi guiado pelo saber-fazer das pesquisadoras em relação a um conjunto de dados para compor um instrumento para exame físico. Assim, buscou-se estruturar um roteiro para o levantamento de NHB, de forma a permitir o estabelecimento dos diagnósticos de enfermagem, das metas, dos objetivos e da prescrição das intervenções de enfermagem, possibilitando a interação entre enfermeiro e clientela e um cuidado profissional de qualidade. Por isso, a necessidade de garantir que as informações obtidas fossem efetivas e completas.
Com vistas a validar o conteúdo dos instrumentos elaborados, foi entregue para todas as enfermeiras da maternidade um instrumento de exame físico da puérpera e um instrumento de exame físico do RN para que fossem avaliados por elas. As participantes verificaram se as cinco NHB encontravam-se contempladas nos instrumentos, bem como julgaram se os aspectos relativos ao puerpério imediato e ao RN foram considerados. Ao final, as enfermeiras assinalaram se concordavam ou discordavam com o conteúdo de cada sessão. Buscou-se nessa etapa relevar a experiência das enfermeiras em relação às necessidades de saúde de sua clientela.
Participaram dessa atividade 13 enfermeiras com média de três anos e quatro meses de trabalho no local do estudo. Dessas, 60% são especialistas em enfermagem obstétrica; 46,6%, em enfermagem neonatal. A atividade foi realizada em julho de 2010.
As enfermeiras sugeriram alterações na estrutura e no conteúdo dos instrumentos, tais como: redução do número de itens para torná-lo mais prático diante da situação atual das maternidades, no que diz respeito ao dimensionamento de pessoal de enfermagem; esclarecer melhor alguns itens disponibilizando dados de referência no roteiro de exame físico do RN, por exemplo, valores de referência para os dados vitais e antropométricos. A maioria das enfermeiras referiu que ambos os roteiros eram muito extensos, devendo ser revistos.
Dentre as sugestões feitas pelas enfermeiras que atuaram no processo de validação dos instrumentos, acolhidas pelas pesquisadoras, uma vez que vieram a contribuir para melhoria dos instrumentos, pode-se ressaltar: condensação dos instrumentos que foram reduzidos em uma lauda e meia no roteiro do exame físico da puérpera e em uma lauda no roteiro do exame físico do RN; inclusão de um tópico específico para avaliação/classificação de icterícia do RN; descrição da técnica utilizada para realização de alguns procedimentos, por exemplo, a manobra de Ortolani no roteiro do exame físico do RN.
As alterações sugeridas foram reavaliadas e parcialmente atendidas, e observou-se que os instrumentos remodelados em sua estrutura e conteúdo ficaram mais adequados, objetivos e claros.
O refinamento dos itens do instrumento de coleta de dados foi realizado na terceira etapa com base na avaliação realizada pelas enfermeiras sobre o conteúdo de cada sessão dos roteiros de exame físico da puérpera e do RN, bem como nas críticas e sugestões elencadas na etapa anterior. Entretanto, considerando que somente sua a utilização poderia apontar novas e necessárias alterações, as pesquisadoras realizaram exames físicos de puérperas e bebês utilizando os instrumentos de coleta de dados refinados. Após esta atividade, um novo refinamento do instrumento foi realizado, antes de ser inserido no prontuário eletrônico na fase seguinte.
A coleta de dados feita pelas pesquisadoras ocorreu em novembro de 2010. Foram coletados um total 65 exames de puérperas e 65 exames de bebês em instrumentos impressos, o que correspondeu a 29,4% dos nascimentos no setor no referidos mês.
Para a etapa seguinte foi mantida a maior parte da estrutura dos roteiros de exame físico da puérpera e do RN. Houve as seguintes alterações: acrescentou-se evolução específica para avaliação das mamadas no roteiro de exame físico do RN e retirou-se o item lesão da avaliação dos lábios e palato, tendo em vista que havia no instrumento a opção de assinalar a integridade de lábios e palato; retirou-se a avaliação de acesso venoso periférico em membros inferiores no roteiro de exame físico da puérpera, substituiu-se a opção de avaliação de episiorrafia por rafia (englobando, assim, as lacerações ocorridas na ausência de episiotomia durante o parto); e, por fim, retirou-se a opção melancólica da avaliação das necessidades psicossociais com vistas a diminuir diferentes entendimentos baseados na subjetividade de cada avaliadora. Alterou-se a ordem dos itens a serem assinalados em ambos os roteiros, mantendo as adaptações fisiológicas como primeira possibilidade de preenchimento nos instrumentos, e as alterações passaram a aparecer sequencialmente em ordem crescente de gravidade.
Concomitante a essa etapa foi realizado no hospital cenário do estudo o II Seminário de Sistematização da Assistência de Enfermagem, que culminou com um debate e escolha da teoria para a implementação da SAE em toda a instituição, sendo indicada a teoria das NHB de Wanda Aguiar Horta9. Esse acontecimento respaldou ainda mais a opção feita anteriormente por essa teórica para o desenvolvimento da SAE/ PE no local do estudo.
Posteriormente, um acompanhamento foi realizado pelas pesquisadoras junto ao setor de TI do hospital de ensino, para inserção dos instrumentos no sistema eletrônico. Esse acompanhamento objetivou garantir que o conteúdo de ambos os instrumentos bem como as críticas e sugestões apontadas pelas enfermeiras fossem contemplados, por oportunidade do desenvolvimento dos instrumentos. A informatização foi conduzida de forma criteriosa, evitando a dissociação entre a ferramenta tecnológica criada, as rotinas do setor e a prática das enfermeiras.
Por fim, houve o acompanhamento da realização do exame físico pelas enfermeiras do setor de AC e do registro dos dados nos roteiros inseridos no sistema eletrônico. O acompanhamento se deu na forma de observação participante. Participaram desse momento as pesquisadoras e sete das oito enfermeiras assistenciais do setor AC da maternidade de estudo. A atividade ocorreu nos meses de janeiro, fevereiro e março de 2011. Ao todo foram coletados 376 exames físicos de puérperas e 399 exames físicos de RN, o que correspondeu a 50,2% e 53,3%, respectivamente, dos binômios assistidos no setor de AC nos referidos meses.
Para a realização do exame físico da puérpera e do RN o tempo gasto manteve-se constante, sendo necessários 15 minutos para cada um, somando um total de 30 minutos para coletar os dados do binômio mãe-filho. Para registrar as informações levantadas no prontuário eletrônico da instituição, o tempo de nove minutos para o preenchimento do roteiro de exame físico da puérpera e sete minutos para o preenchimento do roteiro de exame físico do RN também foi mantido constante, totalizando 16 minutos para o registro dos dados levantados de ambos os indivíduos. Logo, gastou-se 46 minutos, em média, na realização dos exames físicos e registros nos instrumentos.
Durante a observação participante, as enfermeiras referiram que os dados antropométricos, reflexos primitivos e manobra de Ortolani contidos no roteiro de exame físico do RN eram procedimentos repetitivos, uma vez que também foram realizados por outros profissionais ao longo da internação. Segundo as enfermeiras, tal fato provoca irritação e cansaço nos bebê e puérperas, devido ao excesso de manipulação. Elas consideraram ainda que a história obstétrica e a ausculta cardiorrespiratória no roteiro do exame físico da puérpera são desnecessárias, pois além de despenderem um tempo maior, essas informações já constavam na evolução médica e/ou eram obtidas em momentos anteriores, como durante/após o parto. A decisão das enfermeiras foi de que esses dados deveriam ser retirados dos roteiros, tornando-os mais enxutos e práticos para o serviço.
Nesse sentido, as sugestões não foram acatadas, pois, para o raciocínio diagnóstico durante a fase de síntese, o agrupamento dos dados permitiu destacar aqueles que evidenciaram hipóteses, de modo a favorecer uma visão mais ampla da clientela atendida e beneficiar a aproximação enfermeira-cliente, estimulando a interação entre ambas e a individualização do cuidado.
Em parte, concorda-se com as enfermeiras quando estas sugerem redução dos itens dos roteiros, alegando necessidade de reduzir tempo de realização dos exames e tornar prático o instrumento. Todavia, buscou-se provocar as profissionais quando se argumentou sobre o risco do reducionismo no uso dos instrumentos propostos.
Contudo, para atender em parte a demanda das enfermeiras, aumentar a aplicabilidade dos instrumentos e a adesão do grupo à implementação da SAE/PE, discutiu-se sobre a importância da realização dos exames realizados de maneira minuciosa, de forma que nas avaliações subsequentes o tempo destinado ao exame e seu registro seria possivelmente reduzido.
As enfermeiras também destacaram a importância da SAE para o resgate do papel da enfermeira. E reiteraram que o número de binômios atendidos no setor, somado às atividades gerenciais, dificultava o desenvolvimento satisfatório desse atendimento, particularmente no que se refere à assistência direta da enfermeira.
Concomitante à Quinta Etapa, as pesquisadoras forneceram material bibliográfico sobre o exame físico de puérperas e RN no formato de textos e material didático em power point. Em seguida, foi realizada uma discussão sobre o exame físico do RN e da puérpera com cada uma das enfermeiras, de forma a responder à solicitação feita pela coordenadora da maternidade.
Essa discussão teve como teor os conteúdos relativos à anatomia, fisiologia, fisiopatologia e propedêutica em enfermagem. Considerou-se o conhecimento e a experiência acumulada pelas enfermeiras no seu cotidiano profissional. Para tanto, adotou-se uma postura de escuta ativa, pois é escutando que se aprende a falar com as pessoas; somente quem escuta pacientemente e criticamente o outro, fala com ele. A escuta é uma possibilidade permanente para a abertura da fala, do gesto e das diferenças do outro14.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao realizar a primeira etapa do processo de enfermagem, torna-se necessário, sensibilizar os enfermeiros para a importância da Sistematização da Assistência de Enfermagem, demonstrando que tal metodologia oferece a base de dados necessária ao enfermeiro para tomada de decisões, elaboração, implementação e avaliação de um plano de cuidados humanizado e diferenciado para cada paciente. Pode também oferecer visibilidade e reconhecimento profissional, bem como relevar a documentação da prática da enfermagem, particularmente do enfermeiro, além de garantir respaldo legal para eventuais questões jurídicas.
Entre os pontos facilitadores para o desenvolvimento do estudo, destaca-se a parceria com a coordenação da unidade que a disponibilizou totalmente, de modo que os objetivos da pesquisa fossem alcançados. Essa parceria fortalece a articulação academia-serviço e vislumbra superar a percepção da existência de uma relação dicotômica entre a teoria e a prática, bem como ressignificar o serviço como um espaço de cuidado e educação.
Evidenciou-se a importância da pesquisa convergente assistencial mostrando-se um método apropriado para introduzir inovações na prática assistencial; no caso deste estudo, a elaboração e implementação de instrumentos para viabilizar o PE, e a interação entre pesquisadores e enfermeiras da instituição de modo a facilitar uma maior percepção e compreensão dos problemas vivenciados por tais profissionais em sua prática assistencial.
Constatou-se, ainda, a importância da articulação ensinoserviço- extensão, como subsídio ao cuidado de enfermagem de qualidade. Além disso, essa experiência proporcionou condições para o fortalecimento da parceria ensino-serviço, como estratégia para a melhoria da qualidade da assistência e da formação profissional, além de contribuir para a ressignificação do serviço com o espaço de cuidado e educação.
Nesse contexto, delimitaram-se problemas que podem ser mais bem explorados, a partir da realização de novos estudos no sentido de dar continuidade à elaboração de roteiros de coleta de dados para os demais setores da maternidade, bem como dar continuidade à implementação das demais etapas do PE no setor estudado.
Os resultados do estudo apontam para a importância da educação continuada, uma vez que, para a utilização do PE na prática, de forma eficiente e eficaz, deve estar norteado por uma teoria que precisa ser bem compreendida para que seja vivenciada. Por isso, não basta apenas implementar a SAE/PE nas instituições, é imprescindível, também, instituir uma filosofia comprometida com os processos de melhoria contínua, no sentido de assegurar aos indivíduos, família e comunidade um cuidado com qualidade e humanizado.
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Recebido em 23/06/2011
Reapresentado em 15/10/2011
Aprovado em 15/03/2012