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CAPES

Volume 16, Número 3, Jul/Set - 2012

REFLEXÃO

O cuidado de enfermagem na pós-modernidade: um diálogo necessário

João Mário Pessoa Júnior1
Vannucia Karla de Medeiros Nóbrega2
Francisco Arnoldo Nunes de Miranda3

1. Enfermeiro. Mestrando em Enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PPGENF/ UFRN). Bolsista CAPES/REUNI. Natal-RN-Brasil. E-mail: jottajunyor@hotmail.com.
2. Enfermeira. Mestranda em Enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Nor te. Natal-RN-Brasil. E-mail: vannucia@hotmail.com.
3. Doutor em Enfermagem. Coordenador e Docente do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal-RN-Brasil. E-mail: farnoldo@gmail.com.

Recebido em 22/03/2011
Reapresentado em 18/09/2011
Aprovado em 10/10/2011

RESUMO

caracterização geral; posteriormente fez-se um resgate sobre as concepções históricas e conceituais do cuidado de enfermagem, e, finalmente, discutiu-se, especificamente, o cuidado de enfermagem na pós-modernidade na perspectiva de um diálogo e das novas demandas sociais. Reafirma-se a necessidade da efetivação do cuidado de enfermagem pautado nos valores éticos e humanos entre os sujeitos envolvidos na prática marcada por encontros humanos.

Palavras-chave: Cuidados de enfermagem. Sociedades. Conhecimento. Enfermagem

INTRODUÇÃO

A pós-modernidade, o atual período histórico da humanidade, caracteriza-se, de uma maneira geral, por crises e incertezas no que se refere à percepção de ser humano e da sociedade. Na área de saúde, tal vertente tem gerado reflexões importantes e necessárias, particularmente sobre o processo de cuidar na prática dos seus profissionais ao abrigo das políticas públicas pautadas nessa concepção filosófica e epistemológica.

O estudo em tela traz uma aproximação teórica sobre o cuidado de enfermagem na pós-modernidade. Trata-se de um ensaio analítico, elaborado a partir de questionamentos e discussões que ocorreram durante a realização do seminário "A prática de enfermagem na pós-modernidade" como requisito parcial na Disciplina de Análise Crítica da Prática de Enfermagem, do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, nível Mestrado, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

A relevância do tema deve-se ao fato de refletir sobre o processo de cuidar em enfermagem no contexto da pósmodernidade, respeitada sua dimensão histórica e intrínseca dos sujeitos envolvidos, ou seja, o ser que cuida e o que é cuidado em seus respectivos papéis. Objetiva-se poder contribuir e incitar o surgimento de novos estudos nesse campo.

Inicialmente, tecem-se breves considerações sobre a pós-modernidade na sociedade atual, descrevendo pontos e elementos relevantes sobre esse debate. Em seguida, mencionam-se algumas concepções e conceituações históricas sobre o cuidado de enfermagem diante das transformações sociais, em uma abordagem mais global. E, por fim, discute-se o processo cuidar de enfermagem na perspectiva da pós-modernidade, sobre os desafios e possibilidades que surgem, focalizando-se a dimensão ética e humana desse cuidado.


PÓS-MODERNIDADE E ATUAL CONJUNTURA SOCIAL

O contexto social atual é considerado na história da humanidade como um momento de transição ou passagem à pós-modernidade, iniciado no final dos anos de 1960 e no pósguerra sob a efervescência do capitalismo mundial, da visão moderna da máquina e do bem-estar advindo dos avanços tecnológicos, tornando-se o motivo central das discussões na sociedade, especialmente a partir das novas descobertas no campo da arquitetura, educação e medicina1.

A pós-modernidade e seus desdobramentos paradigmáticos conduziram e redefiniram a uma nova visão de homem e de tempo inscritos no cenário da globalização, marcado por crises e incer tezas, orquestrados pelo desenvolvimento tecnológico e pela valorização da informação2. Esse termo emergiu a partir do movimento pós-estruturalista, designando um mundo diversificado e em constante transformação, sem uma ordem social totalmente estabelecida ou definida, em que convergem características como a efemeridade, a fragmentação e a descontinuidade das coisas1-2.

Destaca-se uma distinção conceitual entre os termos pós-modernidade e pós-modernismo, frequentemente confundidos no dia-a-dia. O conceito de pós-modernidade associa-se aos aspectos políticos, sociais, econômicos e culturais, enquanto o termo pós-modernismo remeteria a uma conotação mais estética, ligada ao movimento das artes plásticas, arquitetura, literatura e filosofia3-4. Desse modo, o pós-modernismo seria um fenômeno mais global da pós-modernidade4.

Define-se a pós-modernidade "como um conceito, uma noção ampliada, apropriada para dar conta das diversificadas e às vezes das inusitadas sociabilidades que estão estabelecendose no tecido social"5:1034. Conecta-se, ainda, às transformações técnico-científicas e de conhecimento de uma sociedade advinda desse percurso histórico5-6. Independente dessa variedade de opiniões e conceitos sobre o tema, torna-se imperativo discutilo diante dos cenários de mudanças e de crise vividos nos diversos campos que permeiam a sociedade, como política, educação e saúde7.

No campo da saúde debate-se a crise instaurada entre os seus profissionais no que diz respeito ao processo do cuidar, ora não percebido no trabalho, ora sim ou pouco percebido, mas que permeia suas práticas e saberes cotidianamente. Na Enfermagem, inserida nessa realidade, cabe também refletir sobre o cuidado no cenário da pós-modernidade, levando-se em conta o histórico-conceitual sobre o cuidado de enfermagem em uma visão geral e, de longe, aquela que recebeu o estatuto societário para promovê-lo perante as demais ciências da saúde.


CUIDADO: CONCEPÇÕES HISTÓRICOSCONCEITUAIS

O termo cuidado provém do latim cogitatu, pensado, imaginado, meditado; de origem etimológica cogitâtus, refletido, e que significa desvelo, solicitude, diligência, zelo, atenção e se concretiza no contexto da vida em sociedade8. Cuidar implica colocar-se no lugar do outro, geralmente em situações diversas, quer na dimensão pessoal, quer na social. Significa um modo de estar com o outro, no que se refere a questões especiais da vida dos cidadãos e de suas relações sociais, dentre estas o nascimento, a promoção e a recuperação da saúde e a própria morte9. E, ainda, sobre comportamentos e ações que envolvem conhecimentos, valores, habilidades e atitudes, empreendidas no sentido de favorecer as potencialidades das pessoas para manter ou melhorar a condição humana no processo de viver e morrer10.

A partir dessas premissas, o cuidar em enfermagem identifica-se como uma atividade universal e intrinsecamente valiosa, não circunscrita somente no contexto da saúde. Extrapola, ainda, essa concepção na medida em que aborda a existência não apenas na perspectiva de possuidor ou portador, mas também, se necessário, de criador de valores e instaurador de normas vitais11.

Historicamente, no decorrer da evolução da humanidade, o cuidar como tradição cultural propagou-se através da experiência passada de geração a geração, sendo aos poucos atribuído aos profissionais de enfermagem, herdado e impregnado por uma forte herança advinda de um vinculo ligado à moralidade e religiosidade12.

No século XX, na primeira metade, o cuidar foi se distanciando dos valores morais e religiosos herdados do passado e se aproximando do modelo biomédico, valorizando o tecnicismo. Dessa forma, passou a minimizar os aspectos tradicionais e potencializar as ciências biomédicas, a tal ponto de haver um desaparecimento da vinculação entre o ser humano com o universo, ambiente e grupo social11. O racionalismo cientifico tornou-se o fio condutor, a partir da adoção dos cuidados médicos e seu campo de atuação, tornando-se isolado, fissurado, subtraído das dimensões sociais e coletivas, objetivando apenas tratar a doença13.

Assim, paulatinamente fossilizam-se as dissociações evidenciadas pelo sistema sobre as ações do cuidado através da separação entre mente/corpo, sujeito/objeto, ou seja, a simplificação do corpo em pequenas partes, transformandoo em máquina e o cuidar em simples conserto 14-15. Desdobram-se os sentidos em diferentes possibilidades do ser humano, em ser sujeito, ser pessoa, ser 'eu', ser corpo, ser alma, ser espírito15. Constatam-se ainda resquícios de um apego às técnicas mecanicistas que influenciaram fortemente seus pressupostos teóricos e suas práticas16, herança típica do modelo biomédico, racional e fragmentado, proposto por Descartes14.

Com o rompimento de algumas concepções do mundo moderno e sob as influências das diversas correntes de pensamento, especialmente a pós-modernista, iniciou-se na Enfermagem discussões e testagem de novas abordagens e descoberta de formas de entendimento, configurando a contemporaneidade, marcado por crises e incertezas nos diversos segmentos da sociedade15.

No século XXI, as noções de cuidar mantêm-se como fundamento de integrar as pessoas em torno do bem e do elo social. Reforça-se, sobremaneira, o comprometimento e engajamento político cultural e social, prevenindo rupturas na sociedade e contribuído para a sua superação14-15.

Diante desse contexto histórico-conceitual, ainda que persevere nos dias atuais um processo de cuidar de enfermagem hierárquico, disciplinar, ver ticalizado e sobrecarregado pelas funções, evidencia-se uma inquietação e uma tentativa de revalorização desse cuidar em termos mais amplos, holísticos, capazes de resgatar do ser humano a sua totalidade e, sobretudo, possibilitar a construção de eixos teóricos e práticos distanciados do mecanicismo, na perspectiva e valorização da subjetividade, complexidade e integralidade da assistência.


O CUIDADO DE ENFERMAGEM NA PÓSMODERNIDADE: DESPERTANDO PARA UM DIÁLOGO

Na perspectiva do diálogo embasado nas considerações históricas e conceituais sobre o cuidado de enfermagem, colocamse em evidência as reflexões sobre o cuidar no contexto da pósmodernidade diante das mudanças técnico-científicas vividas entre os séculos XIX e XX. Desse modo, acrescenta-se a necessidade de se desenvolver um cuidado em enfermagem ético, humano e pautado na capacidade profissional, traduzido nas habilidades e competências para atuar perante a criatividade e as dimensões subjetivas existentes entre os sujeitos envolvidos diretamente nos processos de cuidar, independente do ser que cuida ou do ser que é cuidado.

O cuidado de enfermagem concebido como "a expressão de uma relação de interdependência, que só existe de fato dentro de um contexto de troca e de despertar para a vida"16:168, ainda sofre, no entanto, a influência e a determinação de uma visão fragmentada, arraigada aos preceitos do modelo técnico-assistencialista, no qual o ser humano é percebido apenas em uma condição passiva, como um objeto de intervenção profissional e do saber médico construído historicamente.

Reconhece-se, no contexto atual da Enfermagem, a ampliação da concepção dialógica de cuidado, historicamente construída, não apenas sob a ótica de quem exerce a ação do cuidar, mas na circunscrição do ser que é cuidado, partindo de uma perspectiva intersubjetiva e relacional. O cuidado deve emergir fundamentalmente da necessidade e existência do outro, em uma intrínseca teia de atitudes e relações para com ele, sendo, portanto, um processo de construção de significados e sentidos entre os seres envolvidos2.

Ao revisar as relações específicas do cuidar na prática de enfermagem, observam-se, de um lado, aspectos concernentes às condições mais amplas e estruturais, ligadas ao sistema econômico, às políticas, às crises e à própria pós-modernidade. E do outro, as condições singulares, que se referem ao ato em si do cuidado, ao encontro interpessoal5. Ambos os aspectos, de uma forma ou de outra, exerce determinada influência sobre o sujeito que cuida e o que é cuidado, em um percurso em que convergem e divergem elementos de tensão e conflitos de ordem política, filosófica e antropológica5.

Partindo dessa compreensão, o cuidado de enfermagem deve privilegiar a promoção da vida, o conforto, o diálogo, a terapêutica, a reflexão e o potencial individual de cada sujeito para ser um agente ativo no seu processo saúde/doença. Leva-se em conta que "o sujeito acolhido e cuidado em nossas práticas de saúde é o sujeito contemporâneo, com seu sofrimento subjetivo e suas formas de subjetivação"5:1033.

Dessa feita, suas expressões, histórias, anseios, medos, dúvidas e seu contexto de vida, de uma maneira geral, são resgatados à luz de um diálogo acolhedor e multicultural entre o profissional e o ser cuidado.

O cuidado institucional de enfermagem na pósmodernidade traz em si umas das características fundamentais para "perceber as nuances de cada instante do cuidar, em aprender a olhar e compreender, mesmo que na parcialidade, o que se passa com este sujeito"2:371. Assim, nessa ótica, credita-se, para o cuidado de enfermagem, um novo desper tar para metodologias e estratégias que valorizem a ética da essência humana, e que respeite a pluridimensionalidade da vida2, no sentido de oferecer respostas mais efetivas às necessidades de saúde da sociedade atual.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considera-se que o movimento de pós-modernidade tem produzido importantes mudanças nos diversos campos da sociedade, especialmente entre os serviços e os profissionais de saúde, nos quais exerce influência determinante nas suas ações cotidianas. Nesse contexto, o cuidado deve ser valorizado sob suas diversas formas, aproximando os sujeitos e respeitando a experiência humana em seus diferentes contextos circunscritos à dor, ao sofrimento e à morte, como também na alegria, no prazer e no nascimento, dentre outras significações e sentidos atribuídos à convivência moral com corporeidade do outro.

Logo, observa-se que os modelos ou modos de cuidar da enfermagem na pós-modernidade, inscrita na era do conhecimento, requer atitude dos profissionais na perspectiva crítica-reflexiva, da intersetorialidade, da geração de informações e dos conhecimentos capazes de resgatar os aspectos humanos envolvidos nessa prática, como um compromisso ético e de responsabilidade social. Propõe-se o respeito à interpessoalidade, tanto do seragente do cuidado quanto do ser-receptor da ação do cuidar, que interagem e se inter-relacionam entre si, em uma troca sinergética para garantir a melhoria da qualidade de vida.

Assim, a reflexão sobre o cuidado de enfermagem, e toda a dimensão política e humana que o envolve, bem como os múltiplos contextos nos quais ele acontece, contribui para o florescer de um diálogo com a pós-modernidade. Dessa forma, pretende-se não instituir um novo cuidado, mas uma atitude de "re-encantamento" pelo cuidar como instrumento valioso da prática humana.


REFERÊNCIAS

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