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Identidade profissional de enfermagem: uma perspectiva através das lentes da mídia impressa brasileiraa a Artigo extraído da dissertação de mestrado intitulada "A mídia impressa e a (re/des)construção da identidade profissional da enfermagem brasileira", com autoria de Amina Regina Silva, sob orientação da professora Maria Itayra Coelho de Souza Padilha, apresentada ao Programa de Pós-graduação em Enfermagem (PEN) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em 24 de agosto de 2017.

Resumo

Objetivo:

Analisar os acontecimentos históricos da profissão de enfermagem apresentados pela mídia impressa brasileira e que se configuraram como importantes na (re/des) construção da identidade profissional, no período de 1980 a 1986.

Método:

Pesquisa qualitativa de cunho histórico documental, orientada pelo processo de investigação histórica, utilizando 80 reportagens publicadas em jornal de grande circulação nacional.

Resultados:

Retrataram as lutas da enfermagem e entidades representativas para melhoria das condições de trabalho, os destaques para intercorrências na área de enfermagem, e ainda o retrato da mídia sobre o estereótipo da enfermagem da época.

Conclusão:

Os estereótipos traçados pela mídia impressa resultam em um duplo impacto na enfermagem e sua identidade profissional. De um lado se agrega visibilidade para as lutas e ganhos da categoria, e por outro gera desvalorização por retratos de intercorrências no exercício da profissão sem pertinente contextualização e explanação dos fatos que acercavam e resultavam em tal acontecimento.

Palavras-chave:
Prática Profissional; Enfermagem; Regulamentação Governamental; História da Enfermagem

Abstract

Objective:

To analyze the historical events of the nursing profession presented by the Brazilian print media and that were configured as important in the (re/des) construction of the professional identity, from 1980 to 1986.

Method:

Qualitative research with a documental historical nature guided by historical investigation process, using 80 articles published in newspapers of great national circulation.

Results:

They portrayed the nursing struggles and representative entities to improve working conditions, the highlights for intercurrences in the nursing area, as well as the media portrayal of the stereotype of nursing at the time.

Conclusion:

The stereotypes traced by print media result in a double impact on nursing and its professional identity. On the one hand, it adds visibility to the struggles and gains of the category, and on the other, it generates devaluation by portraits of intercurrences in the exercise of the profession without pertinent contextualization and explanation of the facts that approached and resulted in such an event.

Keywords:
Professional Practice; Nursing; Government Regulation; History of Nursing

Resumen

Objetivo:

Analizar los acontecimientos históricos de la profesión de enfermería presentados por los medios impresos brasileños y que se configuraron como importantes en la (re/des) construcción de la identidad profesional, en el período de 1980 a 1986.

Método:

Investigación cualitativa de cuño histórico documental, orientada por proceso de investigación histórica, utilizando 80 reportajes publicados en periódico de gran circulación nacional.

Resultados:

Retractaron las luchas de la enfermería y entidades representativas para mejorar las condiciones de trabajo, los destaques para intercurrencias en el área de enfermería, y el retrato de los medios sobre el estereotipo de la enfermería de la época.

Conclusión:

Los estereotipos trazados por los medios impresos resultan en un doble impacto en la enfermería y su identidad profesional. De un lado se agrega visibilidad para las luchas y ganancias de la categoría, y por otro genera desvalorización por retratos de intercurrencias en el ejercicio de la profesión sin pertinente contextualización y explicación de los hechos que acercaban y resultaban en tal acontecimiento.

Palabras clave:
Práctica Profesional; Enfermería; Regulacíon Gubernamental; Historia de la Enfermería

INTRODUÇÃO

O presente estudo tem como objeto a imagem da enfermagem vinculada na mídia impressa no cenário nacional, relativo ao processo de identidade profissional vivenciado. Este artifício se atrela ao fato da influência de épocas passadas para a construção, desconstrução e reconstrução da identidade profissional de enfermagem de acordo com as vivências do indivíduo.11 Bellaguarda MLR, Silveira LR, Mesquita MPL, Ramos FRS. Identidade da profissional enfermeira caracterizada numa revisão integrativa. Enferm Foco [Internet]. 2011; [cited 2016 May 27]; 2(3):180-3. Available from: http://revista.cofen.gov.br/index.php/enfermagem/article/view/130
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A identidade profissional de enfermagem é uma temática que vem sendo estudada há décadas em diversas áreas. Neste estudo, foram focados os conceitos provenientes da sociologia a respeito da identidade, mas especificamente do sociólogo francês Claude Dubar. Este autor destaca a importância dos processos de socializações na formação da identidade profissional, e que é com base nestes processos e nas características que nos diferem dos demais dentro de um grupo de pessoas, que conseguimos definir quem somos profissionalmente, a chamada identidade profissional.22 Dubar C. A socialização: construção das identidades sociais e profissionais. São Paulo: Martins Fontes; 2005.

Na área de enfermagem, o processo de identidade possui diversas influências inclusas no contexto da profissão, dentre os movimentos e atuações de enfermagem. Sendo ainda que no que concerne a mídia, existe um destaque para fatores negativos da profissão. Como por exemplo, oriundos das atuações cotidianas da enfermagem que, por vezes, geram eventos adversos como resultados de uma série de situações e erros de diversas áreas relacionadas.33 Volpe CRG, Aguiar LB, Pinho DLM, Stival MM, Funghetto SS, Lima LR. Erros de medicação divulgados na mídia: estratégias de gestão do risco. Rahis [Internet]. 2016; [cited 2017 Jun 18]; 13(2):97-110. Available from: http://revistas.face.ufmg.br/index.php/rahis/article/view/97-111. DOI: http://dx.doi.org/10.21450/rahis.v13i2.3499
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A enfermagem é considerada por estudiosos como a ponta do iceberg, pois apesar do evento adverso ser resultado de inúmeros fatores de diferentes áreas que confluem para permitir sua ocorrência, quem executa e concretiza tais fatos são os profissionais de enfermagem devido ao cuidado prestado direto aos pacientes. Sendo assim, na ocorrência destes eventos, o destaque negativo se volta para a enfermagem com tamanha intensidade que torna difícil para as pessoas que não estão inseridas nesse cotidiano entenderem a situação como consequência de uma confluência de ações, e não ato exclusivo de uma única profissão.33 Volpe CRG, Aguiar LB, Pinho DLM, Stival MM, Funghetto SS, Lima LR. Erros de medicação divulgados na mídia: estratégias de gestão do risco. Rahis [Internet]. 2016; [cited 2017 Jun 18]; 13(2):97-110. Available from: http://revistas.face.ufmg.br/index.php/rahis/article/view/97-111. DOI: http://dx.doi.org/10.21450/rahis.v13i2.3499
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Esta perspectiva pode ainda se intensificar de forma negativa em torno da enfermagem, isto, obtido como resultado de quando a mídia enfoca temáticas inerentes a área da saúde de forma geral, os conteúdos noticiados têm maior destaque, quando associados a fatores críticos de saúde. Nesse contexto, é importante destacarmos aqui que existe uma relação de consumo e venda de mídia impressa, no qual o investimento do consumidor não é suficiente para subsidiar todas as atividades do setor midiático, sendo assim, este recorre às 'fontes extras', como atividades de publicidade para aumentar a verba do setor, por isso quanto maior a venda de jornais, maior o enfoque em tais investidores. Quando existem fatores impactantes nas reportagens, estas matérias se tornam mais vendáveis, pois é de destaque para o consumidor, fato que impulsiona os editores e jornalistas na publicação de fatores críticos na área da saúde.44 Fontana RT, Wolf J, Rodrigues FCP, Castro LM. Análise documental da mídia escrita sobre eventos adversos ocorridos na prática da enfermagem. Rev Enferm UFPE On Line (Recife) [Internet]. 2015 May; [cited 2017 Jun 18]; 9(Supl. 4):8103-10. Available from: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/10565
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Quando se trabalha com a mídia impressa, é válido lembrar que, ao mesmo tempo em que ela destaca fatores e pontos de vista que denigrem a imagem da enfermagem, ela também é capaz de promover tal imagem, destacando lutas e movimentos de categoria em busca de melhoria das condições de trabalho. Nesse contexto, destaca-se a lei nº 7.498 de 1986, que regulamenta o exercício profissional, que foi resultado de um conjunto de lutas trabalhistas e de entidades representativas em busca da melhoria de condições de trabalho para a categoria de enfermagem.55 Brasil. Lei Nº. 7.498, de 25 de junho de 1986. Dispõe sobre a regulamentação do exercício da Enfermagem e dá outras providências. Brasília (DF): Diário Oficial da União; 1986. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7498.htm
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Assim, quando se reflete a respeito destes aspectos, surgem os seguintes questionamentos: como eram os acontecimentos no exercício da enfermagem? Como a mídia relatava estes aspectos anteriores à atualização da regulamentação? Qual era a visão da sociedade imposta pela mídia frente à imagem desta profissão? Este fato justifica a escolha do recorte temporal deste estudo, que se compreendeu nos seis anos anteriores à publicação da lei nº 7.498 de 25 de junho de 1986, que dispõe sobre a regulamentação do exercício da Enfermagem e dá outras providências. O intuito de preceder o recorte temporal em seis anos previamente a legislação 7.498 é compreender os fatores, lutas e processos históricos possam ter implicado no surgimento e aprovação desta nova legislação profissional.

A partir do exposto, este estudo tem como objetivo analisar os acontecimentos históricos da profissão de enfermagem apresentados pela mídia impressa brasileira e que se configuraram como importantes na (re/des) construção da identidade profissional, no período de 1980 a 1986.

MÉTODO

Este estudo trata-se de uma pesquisa histórica qualitativa, com o uso de jornais impressos como fonte de pesquisa documental, o qual foi classificado como fonte primária neste contexto, pois serviu de embasamento para dar origem a outro conhecimento de domínio científico.

Esta pesquisa utilizou como fonte primária o jornal "A Folha de São Paulo" de São Paulo, que é considerado por diversos estudiosos como um dos principais veículos de informações da mídia impressa.66 Jesus DSV. O Brasil no BRICS, segundo a Folha de S. Paulo e O Globo (2011-2013). Aurora Rev Art Míd Polt [Internet]. 2014 Sep; [cited 2017 Jun 18]; 20(7):51-81. Available from: https://revistas.pucsp.br/index.php/aurora/article/download/20053/15411
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,77 Morais I, Alkmin D, Lopes J, Santos M, Leonel M, Santos R, et al. Jornais Folha de São Paulo e Correio Braziliense: o que dizem sobre o programa mais médicos? Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2014; [cited 2017 Jun 18]; 48(Esp2):112-20. Available from: http://www.periodicos.usp.br/reeusp/article/view/103115/101452. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0080-623420140000800017
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Para a coleta de dados foi utilizado o acervo online do jornal "A Folha", considerando que este possui todo o período a ser estudado disponível em seu acervo. Buscou-se todas as matérias publicadas no período entre 1980 a 1986, que contemplaram, em seu contexto, as palavras chaves Enfermeiro e/ou Enfermagem. Na etapa inicial da pesquisa teve-se acesso a 2.944 reportagens, as quais, durante a etapa de análise dos dados, foram lidas individualmente na íntegra.

De acordo com a aderência à temática, as reportagens foram selecionadas e salvas em documentos individuais e ainda, concomitantemente, foi preenchido a tabela de coleta de dados, a qual foi desenvolvida especificamente para este estudo. Do total inicial de reportagens, após as etapas da coleta de dados, foram excluídas 2.863 reportagens, resultando na amostra final que compôs esta pesquisa, que foram 81 reportagens. O motivo que resultou na exclusão dessas 2.863 reportagens foram: falta de aderência a temática; tratar apenas de identidade social e não profissional, ou seja, abordar os indivíduos e seu papel na sociedade, porém sem correlação com sua identidade profissional; pequena relevância para pesquisa e pouca explanação da temática, trazendo assim conteúdo insuficiente para subsidiar uma discussão com qualidade.

De acordo com as normas e diretrizes propostas pelo Comitê de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos (CEPSH), definidas na Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde, trata-se de uma pesquisa de cunho documental e que emprega documentos de caráter público e de livre acesso a população, dispensando a necessidade prévia de submissão do artigo ao CEPSH. Tem-se ainda a resolução nº 510 de 07 de abril de 2016 que cita que não serão registradas e nem avaliadas pelo sistema CEP/CONEP, pesquisas que utilizem informações de acesso público nos termos da Lei nº 12.527/2011 e pesquisas que utilizem informações de domínio público.88 Lucena DN, Ferreira KLC, Araujo RM, Pinheiro GG. Lei de acesso a informação: uma leitura da implementação do Instituto Federal do Rio Grande do Norte. Rev Pensam Realid [Internet]. 2014; [cited 2018 Jun 18]; 29(1):98-120. Available from: https://revistas.pucsp.br/index.php/pensamentorealidade/article/view/17677/14534
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RESULTADOS

Nessa etapa inicial foram expostos os resultados de acordo com as duas categorias que fomentaram esse manuscrito, são elas: intercorrências de enfermagem na mídia; o retrato da enfermagem na televisão/livros.

Intercorrências de enfermagem na mídia

Essa primeira categoria foi composta por 71 reportagens, e foi formada apenas por uma seção, denominada 'Questões Polêmicas', a qual tratava de diferentes polêmicas na área de enfermagem. As quais, por vezes, relacionadas a eventos adversos, condutas inapropriadas e por outras relacionadas a protestos, tais como greves, desvio de funções, sobrecarga, dentre outros. Dentre os achados dessa categoria, é possível verificar diferentes agrupamentos de reportagens. Foram encontradas 33 reportagens que tratavam de protestos e greves de categorias de enfermagem, sendo que destes a grande maioria tinha como fundamentação as más condições de trabalho para enfermagem, dimensionamento incorreto de pessoal, além de diversas demissões injustas para cortar gastos, demissão de funcionários mais antigos, ou substituição de funcionários dentro da categoria de enfermagem. No intuito de melhor exemplificar estes achados, seguem as reportagens mais impactantes.

Reportagem 1 - "Hospital São Paulo Arrasta sua crise à espera do MEC" -Data:13/04/1980 - Pg. 22.

"Apesar da demissão e evasão em massa dos funcionários, a superintendência do hospital não pretende contratar ninguém e todos os setores de atendimento estão sobrecarregados e não recebem, muitas vezes, o atendimento necessário. Na enfermaria de cardiologia, existe apenas uma auxiliar de enfermagem, no plantão da noite, para cuidar de 29 pacientes, além dos internados na Unidade de Terapia Intensiva, quando seria necessária a presença de uma enfermeira altamente qualificada. Por isto, acontecem problemas frequentemente. Há dias um paciente teve uma parada cardíaca na Cardiologia e só não morreu porque foi socorrido a tempo".99 Folha de São Paulo [Internet]. Acervo folha [cited 2017 Aug 20]. Available from: http://acervo.folha.com.br
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Reportagem 2 - "Servidores pedem tratamento melhor" - Data: 01/06/1982 - Pg. 17

"Os funcionários da Divisão de Enfermagem do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas protestam contra "os maus-tratos que estamos recebendo da parte de nossas enfermeiras chefes. Nós, funcionários, estamos muito revoltados com o linguajar usado por parte das mesmas para com seus subordinados. Depois de contar alguns casos, pedem "providências para que sejamos tratados como seres humanos e não farrapados ou máquinas, sem o devido sentimento e até mesmo sem o devido respeito", pois afirmam, sofrem repressões apenas por retrucarem algum comunicado "com ou sem razão". Nós queremos saber onde está a ética apregoada aos quatro ventos deste hospital?".99 Folha de São Paulo [Internet]. Acervo folha [cited 2017 Aug 20]. Available from: http://acervo.folha.com.br
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Outro achado foram as 14 reportagens que tratavam de falhas da enfermagem, acontecimentos que não estavam relacionados de forma direta com a assistência de enfermagem, mas foram julgados como inapropriados. Além disso, sete reportagens que trouxeram fatores que podem ser considerados importantes para a segurança do paciente, seguem alguns exemplos.

Reportagem 3 - "Hospital admite que houve falhas" - Data: 09/01/1980 - Pg. 11.

"O administrador do Hospital São Bento, da Lapa, Antonio Carlos Mitne, responsabilizou, ontem, uma enfermeira da entidade pelo fato de haverem fornecido um atestado de óbito de uma criança internada e que, no entanto, não havia morrido. No dia 18 de dezembro de 1979, o motorista Francisco Honorato de Freitas internou sua filha, Lilian Nunes de Freitas, de 10 meses, no hospital São Bento, avenida São Gualter, 218. No dia 24 foi procurado por policiais que o informaram sobre a morte da filha. Indo ao hospital, o motorista, residente da rua Estevão Fernandes, 2B, Piraporinha, Santo Amaro, recebeu os documentos necessários para o registro de óbito. Só depois de haver providenciado o sepultamento e voltando ao hospital, soube do engano, sua filha estava viva e passava bem e quem havia morrido era um menino chamado Luciano".99 Folha de São Paulo [Internet]. Acervo folha [cited 2017 Aug 20]. Available from: http://acervo.folha.com.br
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Reportagem 4 - "Descartáveis reutilizáveis em Rio Claro" - Data: 08/07/1981 - Pg. 47.

"O centro de saúde do município de Rio Claro, reutiliza material descartável, contrariando as normas legais, segundo denúncia apresentada ontem pelo estudante Sebastião Machado P. Martins. O estudante disse que foi ao Centro de Saúde para ser vacinado e a enfermeira retirou uma agulha já usada de um recipiente onde estavam outras descartáveis, mergulhadas em álcool. Negando-se ser vacinado com uma agulha já utilizada, o estudante recebeu a seguinte informação: "Sei que não é permitido por lei, mas por falta de verbas estou autorizada a utilizar o material descartável 2 ou 3 vezes, mas se o senhor quiser ser vacinado com uma agulha nova poderá comprá-la".99 Folha de São Paulo [Internet]. Acervo folha [cited 2017 Aug 20]. Available from: http://acervo.folha.com.br
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Referente aos eventos adversos obteve-se 18 reportagens, que tiveram grande impacto na mídia. Estas reportagens de forma majoritária tratavam de eventos graves, que trouxeram conseqüências sérias de saúde para o paciente assistido, como mortes, amputação de membros e seqüelas permanentes. Destacando ainda que destes eventos, (6) evoluíram para julgamento judicial, citam-se alguns exemplos.

Reportagem 5 - "Erro de enfermeiro obriga a amputar perna do menino" - Data: 11/12/1980 - Pg. 24.

"BRAGANÇA PAULISTA (Do correspondente) - O menino Jeferson Messias Guedes, de 3 anos, teve a perna esquerda amputada ontem, em consequência de problemas surgidos com a aplicação de uma injeção de benzotal, na virilha, ao invés das nádegas, atingindo a artéria femural e paralisando a perna do menor".99 Folha de São Paulo [Internet]. Acervo folha [cited 2017 Aug 20]. Available from: http://acervo.folha.com.br
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Reportagem 6 - "Enfermeira acusada de erro tenta suicídio" - Data: 07/08/1985 - Pg. 19.

"Com dez anos de experiência no tratamento de doentes de alto risco, Neuci aplicou na veia de Deolinda, em vez de soro, um composto de hidróxido de alumínio, que deveria ter sido injetado por sonda nasogástrica. Deolinda morreu quase que instantaneamente e, logo a seguir, a auxiliar de enfermagem tentou se jogar do sexto andar do hospital. Neuci foi internada por parentes numa clínica psiquiátrica, pois não conseguiu controlar seus nervos depois de ter constatado o erro que cometera".99 Folha de São Paulo [Internet]. Acervo folha [cited 2017 Aug 20]. Available from: http://acervo.folha.com.br
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Ainda nesse contexto, seis reportagens divulgaram crimes cometidos por profissionais de enfermagem durante o exercício da profissão, dentre os quais, na sua maioria, foram referentes a violência física e sexual, seguem alguns exemplos.

Reportagem 7 - "Ambulância" - Data: 14/12/1980 - Pg. 64.

"Permaneceram sós, no interior do veículo, a moça desacordada e o enfermeiro. Foi ao que ele não resistiu ao impulso do sexo. Levantou os lençóis brancos, que cobriam as formas roliças e morenas da moça, e estuprou-a ali mesmo, deitada na maca, em plena ambulância. A moça se deu conta da violência que estava sendo vítima. Entreabriu os lábios e olhos. Mas o torpor a impedia de reagir. Teve consciência de tudo, entretanto. Satisfeito o enfermeiro saiu de sobre a infeliz mulher. Minutos depois atendeu a tia como se nada tivesse havido".99 Folha de São Paulo [Internet]. Acervo folha [cited 2017 Aug 20]. Available from: http://acervo.folha.com.br
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Reportagem 8 - "Hospital é acusado de espancar doente" - Data: 02/01/1984 - Pg. 10.

"A família de Reinaldo Satô, um doente mental internado desde o dia 8 de dezembro no Instituto Modelo de Itaquaquecetuba, está acusando um funcionário do hospital de ter espancado o rapaz. Segundo a família, no dia de visitas, quinta-feira passada, Reinaldo queixava-se de fortes dores no abdômen. Outro paciente, Arlindo Cândido da Silva, que teve alta nos últimos dias, disse ter visto o atendente de enfermagem Gérson Pilate agredir Reinaldo e outros dois pacientes".99 Folha de São Paulo [Internet]. Acervo folha [cited 2017 Aug 20]. Available from: http://acervo.folha.com.br
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Retrato da enfermagem na televisão/livros

Essa segunda categoria trouxe destacado em seu contexto fatores referentes a imagem retratada do enfermeiro na televisão e livros, com base nos relatos da mídia impressa. Para formação dessa categoria teve-se duas seções distintas, a primeira sobre filmes que continham no seu elenco algum ator que desempenhasse o papel de profissional de enfermagem na dramaturgia, e a segunda sobre livros, que traziam no seu elenco algum ator que desempenhasse o papel de profissional de enfermagem ou obra da área de enfermagem.

Na trama referente a filmes, tivemos das oito reportagens destacadas, cinco que tratavam de um romance que envolvia uma enfermeira como parte do casal principal, dois que traziam papéis relacionados com o exercício profissional de enfermagem, e ainda uma que era sobre uma enfermeira assassina. Quando as reportagens eram repetidas, foram contabilizadas apenas uma vez, pois teve-se incidência de uma mesma publicação por até 37 vezes nessa categoria. Como exemplos desta categoria teve-se o filme "Amor em chamas" sob direção de Hanover Street em 1979, que tratava de um drama romântico envolvendo três partes, uma enfermeira, seu marido e o amigo de seu marido. E outro exemplo a ser destacado foi o filme "A Doutrinação de Vera" que trata sobre uma assistente de enfermagem e seu processo de doutrinação.

No que se refere a imagem da enfermagem relatada nos livros, tivemos duas reportagens que apresentaram na íntegra o exercício profissional de enfermagem. Sendo um considerado um livro de cunho científico e outro a história de uma devotada enfermeira na luta para melhorias de sua profissão.

Estas reportagens, de maneira geral, trouxeram a imagem projetada pela mídia impressa, especificamente, proveniente do jornal "A Folha", em relação ao profissional de enfermagem. Isto possibilitou projetar uma possível visão da sociedade brasileira na época, quando estes baseavam sua concepção na mídia impressa, e como estes aspectos e visualizações impactaram no processo da identidade profissional de enfermagem, o qual será discutido a seguir.

DISCUSSÃO

A imagem da enfermagem na mídia impressa implica na compreensão de diversos contextos, iniciando nos vieses já aqui apresentados referentes a aspectos midiáticos, o que compreende na formulação de uma imagem projetada por um grupo de pessoas. Estas usam um artifício que possuí peculiaridades e singularidades referentes ao modo de desenvolvimento das reportagens, tendo em consideração que a mídia dispõe de regras próprias no processo de formulação de reportagens.1010 Cavaca AG, Vasconcellos-Silva PR, Ferreira P, Nunes JA. Entre evidências e negligências: cobertura e invisibilidade de temas de saúde na mídia impressa portuguesa. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2015 Nov; [cited 2017 Jun 3]; 20(11):3569-80. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232015001103569&lng=pt&tlng=pt. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320152011.18342014
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Realizando uma retrospectiva da década de 1980, é possível visualizar aquisições para a enfermagem brasileira no cenário nacional, destacando a aprovação da Lei nº 7.498/86 que regulamenta o exercício profissional de enfermagem e traz a necessidade da Sistematização de Assistência de Enfermagem (SAE). Esta impõe a necessidade de enfermeiros em todas as instituições de saúde em que se tem atuação da equipe de enfermagem, além de posteriormente ter sido considerada destaque para a autonomia e evolução da enfermagem como profissão.1111 Lorenzetti J, Pires DEP, Spricigo J, Schoeller SD. Unidade de ação: um desafio para a enfermagem brasileira. Enferm Foco [Internet]. 2012; [cited 2017 Jun 18]; 3(3):152-4. Available from: http://revista.cofen.gov.br/index.php/enfermagem/article/viewFile/304/164
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,1212 Kletemberg DF, Siqueira MTD, Mantovani MF, Padilha MI, Amante LN, Anders JC. O processo de enfermagem e a lei do exercício profissional. Rev Bras Enferm [Internet]. 2010 Jan/Feb; [cited 2017 Jun 18]; 63(1):26-32. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672010000100005&lng=en&nrm=iso
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Quanto a temática referente às reivindicações da categoria de enfermagem, tem-se, primeiramente, destaque para as greves e protestos, por meio de mobilizações desta categoria na luta pela conquista de seus direitos e pela melhoria de condições de trabalho, o que impactou no perfil e identidade profissional da época de forma direta. É importante salientar a desvalorização profissional e más condições de trabalho como fator que estimulou estes movimentos de categoria, atrelado a falta de distinção das categorias de enfermagem e suas funções, o que, por vezes, gerava substituições e demissões indevidas dentre a categoria de enfermagem. As condições de trabalho podem ser definidas como um conjunto de características envolvidas nas atividades laborais presentes no cotidiano do trabalho, ainda associado às relações interpessoais.

Os hospitais são considerados locais de risco a saúde do trabalhador, isso ainda em associação aos riscos de exposição a fatores psico-biológicos, o que dificulta ainda mais a presença em tais ambientes. Tais aspectos influenciam também na saúde psíquica dos trabalhadores de saúde, isso em uma relação inversamente proporcional, quanto mais desfavoráveis as condições de trabalho, menor é a saúde psíquica do trabalhador.1313 Costa MTP, Borges LO, Barros SC. Condições de trabalho e saúde psíquica: um estudo em dois hospitais universitários. Rev Psicol Organ Trab [Internet]. 2015 Jan/Mar; [cited 2017 Jun 23]; 15(1):43-58. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rpot/v15n1/v15n1a05.pdf. DOI: http://dx.doi.org/10.17652/rpot/2015.1.490
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Outro fator de destaque e que teve alta incidência em todas as categorias e seções desse manuscrito foi a falta de distinção das categorias de enfermagem. Nas reportagens pesquisadas, todos os profissionais da equipe de enfermagem eram considerados enfermeiros (as), sem identificar com clareza a distinção profissional. Este fato ocorreu, especialmente por desconhecimento por parte dos outros profissionais e da população, da diferença entre enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem. Destacando ainda, que a imagem da enfermagem na mídia estava associada ao servilismo as demais profissões da saúde.

Um aspecto destacado por Menegon1414 Menegon VSM. Crise dos serviços de saúde no cotidiano da mídia impressa. Psicol Soc [Internet]. 2008; [cited 2017 Jun 3]; 20(no.spe):32-40. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-71822008000400006&lng=pt&tlng=pt. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-71822008000400006
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é sobre a descrição da mídia frente a área de saúde, tendo em vista que ela segue a hegemonia do modelo hospitalocêntrico, em que o hospital é destaque no cotidiano da mídia impressa como a parte relevante da atenção à saúde. A autora, em sua pesquisa que utilizou na metodologia fontes de mídia impressa, destaca que as temáticas de saúde são mais frequentemente noticiadas quando referentes a emergências e complexidades hospitalares, fato igualmente afirmado por Fontana,44 Fontana RT, Wolf J, Rodrigues FCP, Castro LM. Análise documental da mídia escrita sobre eventos adversos ocorridos na prática da enfermagem. Rev Enferm UFPE On Line (Recife) [Internet]. 2015 May; [cited 2017 Jun 18]; 9(Supl. 4):8103-10. Available from: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/10565
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que também utilizou a mídia impressa como fonte documental em sua pesquisa.

Quando se trata desses erros envolvidos na assistência à saúde, especificamente os que envolvem a equipe de enfermagem, é importante salientar as condições de trabalho inadequadas já aqui citadas, que causam impactos na saúde psíquica, além da baixa remuneração que, por vezes, gera dupla jornada de trabalho entre os profissionais do ramo, influenciando na exaustão física e psicológica dos profissionais. A mídia muitas vezes apresenta as falhas e erros decorrentes da assistência, como iatrogenia e eventos adversos, com o intuito de alertar a população, porém não trazem as razões que levaram a esse evento, ou as condições nas quais esse profissional estava inserido.44 Fontana RT, Wolf J, Rodrigues FCP, Castro LM. Análise documental da mídia escrita sobre eventos adversos ocorridos na prática da enfermagem. Rev Enferm UFPE On Line (Recife) [Internet]. 2015 May; [cited 2017 Jun 18]; 9(Supl. 4):8103-10. Available from: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/10565
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Outro aspecto a ser salientado referente a estes eventos, é que o recorte temporal dessa pesquisa utilizou um período anterior a atualização da regulamentação do exercício profissional de enfermagem. Devido a isto, em tal período a enfermagem era regulamentada pela Lei nº 2.604, de 17 de setembro de 1955, onde previamente eram seis as categorias de enfermagem: enfermeiro, auxiliar de enfermagem, obstetriz, parteira, parteira prática, enfermeiro prático ou prático de enfermagem.1212 Kletemberg DF, Siqueira MTD, Mantovani MF, Padilha MI, Amante LN, Anders JC. O processo de enfermagem e a lei do exercício profissional. Rev Bras Enferm [Internet]. 2010 Jan/Feb; [cited 2017 Jun 18]; 63(1):26-32. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672010000100005&lng=en&nrm=iso
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,1616 Ribeiro G, Pires DEP, Flor RC. Concepção de biossegurança de docentes do ensino técnico de enfermagem em um estado do sul do Brasil. Trab Educ Saúde [Internet]. 2015;13(3):721-37. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1981-77462015000300721&script=sci_abstract&tlng=pt
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Algumas dessas categorias não possuíam uma formação bem definida e como não havia um conselho específico de enfermagem na época, isto podia colaborar para a existência de profissionais sem qualificação adequada para o exercício da profissão. A partir da criação da Lei nº 7.498/86, as categorias foram reduzidas para quatro: enfermeiro, técnico de enfermagem, auxiliar de enfermagem e parteira, destacando ainda que para exercer sua função cada qual deve ter a devida titulação e registro no Conselho de Enfermagem.55 Brasil. Lei Nº. 7.498, de 25 de junho de 1986. Dispõe sobre a regulamentação do exercício da Enfermagem e dá outras providências. Brasília (DF): Diário Oficial da União; 1986. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7498.htm
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É possível compreender que os erros não são resultados exclusivos de uma categoria profissional. Para permitir a concretização de um erro é necessária uma série de erros de diferentes profissionais, conforme publicado pelo Instituto Brasileiro para Segurança do paciente,1717 Forte ECN, Pires DEP, Martins MMFPS. "Mexendo na Ferida": Os Erros de Enfermagem nos Média Brasileiros e Portugueses. Pensar Enferm [Internet]. 2016; [cited 2017 Jun 18]; 20(1):52-62. Available from: http://pensarenfermagem.esel.pt/files/Artigo4_52_62.pdf
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tendo em vista a teoria do "Queijo Suíço".1818 Gomes ATL, Silva MF, Morais SHM, Chiavone FBT, Medeiros SM, Santos VEP. Erro humano e cultura de segurança à luz da teoria "queijo suíço": análise reflexiva. Rev Enferm UFPE On Line (Recife) [Internet]. 2016 Sep; [cited 2017 Jun 18]; 10(Supl. 4):3646-52. Available from: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/11139
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Essa teoria compara o evento adverso com um queijo suíço, tendo-se diversas fatias de queijo suíço espalhadas uma ao lado da outra. Mediante algumas situações as fatiam se alinham, de tal forma, que os buracos coincidem e se alinham também, permitindo, assim, que o evento passe pelas múltiplas barreiras, resultando em um dano ao paciente.1818 Gomes ATL, Silva MF, Morais SHM, Chiavone FBT, Medeiros SM, Santos VEP. Erro humano e cultura de segurança à luz da teoria "queijo suíço": análise reflexiva. Rev Enferm UFPE On Line (Recife) [Internet]. 2016 Sep; [cited 2017 Jun 18]; 10(Supl. 4):3646-52. Available from: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/11139
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Cabe ressaltar que no período deste estudo, poucas eram as menções a respeito da segurança do paciente, dificultando a compreensão e formulação de políticas para diminuir os eventos adversos. Este é um tema da atualidade que teve seu destaque ampliado com a criação da Aliança Mundial para Segurança do Paciente pela Organização Mundial de Saúde, em 2004.1919 Bogarin DF, Zanetti ACB, Brito MFP, Machado JP, Gabriel CS, Bernardes A. Segurança do paciente: conhecimento de alunos de graduação em enfermagem. Cogitare Enferm [Internet]. 2014 Jul/Sep; [cited 2017 Jun 18]; 19(3):491-7. Available from: http://revistas.ufpr.br/cogitare/article/view/33308/23221
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Outro aspecto bastante abordado pela mídia no cenário estudado foi a infecção hospitalar, que pode ser definida como infecção proveniente do processo de assistência à saúde, que se manifesta durante e após a internação hospitalar. A infecção hospitalar pode ser decorrente de uma série de meios, sejam do paciente, de suas visitas, ou o mais mencionado, dos profissionais de saúde.2020 Costa MRT, Ferreira SCM. A atividade de limpeza e o controle de infecção: uma revisão integrativa. Nursing (São Paulo). 2016;19(221):1432-35. Available from: http://pesquisa.bvs.br/aps/resource/pt/bde-29607
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No recorte estudado foi significante o número de menções sobre o processo de infecção hospitalar. Sendo notável ainda que houve aumento da incidência destas reportagens após a morte do presidente do Brasil, Tancredo de Almeida Neves. Este foi considerado o primeiro presidente civil eleito após a ditadura em 1985, e adoeceu gravemente no dia de sua posse. Veio a óbito, em 21 de abril de 1985, em consequência de uma infecção generalizada. Fica inevitável relacionar a incidência destes aspectos com a aprovação da Lei nº 9431, em 1997, que torna obrigatória a existência da Comissão de Controle de Infecções Hospitalares (CCIH) e do Programa de Controle de Infecções Hospitalares (PCIH), isto no intuito de prevenir e diminuir a incidência de infecções no contexto hospitalar.2121 Gomes MF, Moraes VL. O programa de controle de infecção relacionada à assistência à saúde em meio ambiente hospitalar e o dever de fiscalização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Rev Dir Sanit [Internet]. 2017;18(3):43-61. Available from: http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9044.v18i3p43-61
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Cabe ainda aqui destacar a falta de assistência ao profissional envolvido nos eventos, como a reportagem nº 8 deste estudo, intitulada "Enfermeira acusada de erro tenta suicídio". Além das implicações decorrentes do erro à saúde do paciente, existem também consequências ao trabalhador, que vivenciam sentimentos de medo, incapacidade, impotência, preocupação e responsabilidade frente ao erro e, por muitas vezes, não recebe nenhum tipo de assistência por parte da instituição.2222 Siqueira CL, Ferreira KM, Souza TC, Feldman LB. Sentimentos experimentados por equipes de enfermagem acerca dos erros de medicação. Cogitare Enferm [Internet]. 2016; [cited 2017 Jun 17]; 21(no.esp):1-10. Available from: http://revistas.ufpr.br/cogitare/article/download/45411/pdf
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É importante compreender que os profissionais da área da saúde são seres humanos e que, como seres humanos são falíveis, por isso erros e eventos adversos são esperados até mesmo por parte das melhores equipes de saúde.2323 Ferreira RA, Pangaio AMWS, Bernardes RR, Lima SS. Segurança do paciente e os eventos adversos: erro profissional ou do sistema? Rev Rede Cuid Saúde [Internet]. 2014; [cited 2017 Jun 18]; 8(23):1-15. Available from: http://publicacoes.unigranrio.edu.br/index.php/rcs/article/view/2033
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Destaca-se aqui um estudo33 Volpe CRG, Aguiar LB, Pinho DLM, Stival MM, Funghetto SS, Lima LR. Erros de medicação divulgados na mídia: estratégias de gestão do risco. Rahis [Internet]. 2016; [cited 2017 Jun 18]; 13(2):97-110. Available from: http://revistas.face.ufmg.br/index.php/rahis/article/view/97-111. DOI: http://dx.doi.org/10.21450/rahis.v13i2.3499
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sobre as divulgações de erros de medicações na mídia brasileira. A maior incidência de erros encontrada pelos autores foi referente à dose, via ou substância e, ainda, traz dentre as consequências, que alguns profissionais chegaram a cometer suicídio pela falta de assistência. Os erros divulgados na mídia, em sua grande maioria foram considerados gravíssimos, resultados que vem ao encontro dos achados desta pesquisa. Além disso, outro destaque foi para o momento pós-erro, em que a ênfase é dada a punição, ao invés da educação ao profissional.

Com relação aos crimes cometidos pelos profissionais de enfermagem no exercício da profissão tais como violência física e sexual, poucos artigos científicos que tratam dessa temática foram encontrados. É importante compreender que a enfermagem deve se orientar com base em preceitos éticos durante o exercício da profissão, respeitando o indivíduo como ser humano desde sua concepção até a morte, independentemente de seu estado mental ou situação psíquica. O paciente deve ter sua autonomia salvaguardada e ter liberdade de expressão para decidir todas etapas de seu tratamento, sendo proibido ao profissional de enfermagem provocar qualquer forma de violência ao paciente, podendo responder judicialmente dependendo do nível da violência.2424 Silva TN, Freire MEM, Vasconcelos MF, Silva Junior SV, Silva WJC, Araújo PS, et al. Deontological aspects of the nursing profession: understanding the code of ethics. Rev Bras Enferm [Internet]. 2018 Jan/Feb;71(1):3-10. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0565
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,2525 Cortez EA, Silva ICM, Carmo TG, Cardoso F, Marçal C, Grangeiro R. Iatrogenia no cuidado da enfermagem: implicações éticas e penais. Rev Pesq Cuid Fental On Line [Internet]. 2009 May/Aug; [cited 2017 Jun 18]; 1(1):74-84. Available from: http://www.seer.unirio.br/index.php/cuidadofundamental/article/view/292
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Em termos dos eventos e falhas da enfermagem na mídia, tem-se um estudo em que os participantes da pesquisa referem que a mídia apresenta um estereótipo negativo da enfermagem.1515 Avila LI, Silveira RS, Lunardi VL, Fernandes GFM, Mancia JR, Silveira JT. Implicações da visibilidade da enfermagem no exercício profissional. Rev Gaúcha Enferm [Internet]. 2013 Sep; [cited 2017 Jun 18]; 34(3):102-9. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-14472013000300013
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Segundo os autores, este fator influência na desvalorização da profissão e perda de credibilidade, resultando em acusações injustas por parte dos pacientes de maneira generalizada aos profissionais. Além de trazer a enfermagem de forma geral na visão de uma linda e sexy mulher, sem profundidade científica e submissa ao profissional médico, uma imagem degradante na visão dos participantes do estudo.

Literaturas e a mídia apresentam aspectos que influenciam de forma negativa na relação paciente/enfermeiro, devido a criação e fortalecimento de preconceitos, distorcendo a imagem e função do enfermeiro como profissional integrante da equipe de saúde. Essa imagem mostra um binarismo envolvido na mídia, sendo que, por vezes, a enfermeira é vista como um anjo branco, caridosa e cristã, e por outras é vista como um ser profano.2626 Colpo JC, Camargo VC, Mattos SA. A imagem corporal da enfermeira como objeto sexual na mídia: um assédio a profissão. Cogitare Enferm [Internet]. 2006 Jan/Apr; [cited 2017 Jun 17]; 11(1):67-72. Available from: http://revistas.ufpr.br/cogitare/article/download/5975/4275. DOI: http://dx.doi.org/10.5380/ce.v11i1.5975
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No estudo de Lage e Alves2727 Lage CEB, Alves MS. (Des)valorização da Enfermagem: implicações no cotidiano do Enfermeiro. Enferm Foco [Internet]. 2016; [cited 2017 Jun 17]; 7(3/4):12-6. Available from: http://revista.cofen.gov.br/index.php/enfermagem/article/view/908
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ficou evidenciado que as ações do coletivo da sociedade estabelecidas por estereótipos e preconceitos influenciam de maneira impactante o exercício da enfermagem no cotidiano. Para os autores, o exercício da enfermagem é, por muitas vezes, estimulado por parte do reconhecimento profissional, e quando não existe o devido reconhecimento, o profissional se sente desestimulado, não indo além de suas obrigações no cotidiano de trabalho. Estes ressaltam que essa falta de reconhecimento, não é proveniente apenas da sociedade, mas também da equipe de saúde, o que de forma geral prejudica na identidade profissional da enfermagem, pois, geram o comprometimento na construção de vínculos.

No estudo de Porto e Neto2828 Porto F, Neto M. Enfermeira na Imprensa Ilustrada Brasileira (1890-1925): assinatura imagética. Patrim Mem (São Paulo, Unesp) [Internet]. 2014; [cited 2017 Jun 17]; 10(1):199-221. Available from: http://pem.assis.unesp.br/index.php/pem/article/view/421/737
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que retrata a enfermeira na imprensa ilustrada brasileira, traz a necessidade de se trabalhar com a imagem formulada pela imprensa, com o intuito de melhorar o efeito negativo na identidade profissional advinda da imagem midiática da enfermagem. Isso pode ainda ser corroborado com os fatos encontrados nas ideias provenientes de Dubar, onde tem o perfil identitário como resultado de processos que se alteram, modificam e reconstroem com o passar do tempo, podendo assim ser influenciado pelos fatores extrínsecos relacionados com os indivíduos envolvidos em tal processo.22 Dubar C. A socialização: construção das identidades sociais e profissionais. São Paulo: Martins Fontes; 2005.

"Por meio do estudo da Enfermagem e sua história pode-se compreender a luta travada contra os estigmas e preconceitos impostos pela ignorância social reforçados pela mídia e a importância da aceitação e reconhecimento dessa profissão pela sociedade".2626 Colpo JC, Camargo VC, Mattos SA. A imagem corporal da enfermeira como objeto sexual na mídia: um assédio a profissão. Cogitare Enferm [Internet]. 2006 Jan/Apr; [cited 2017 Jun 17]; 11(1):67-72. Available from: http://revistas.ufpr.br/cogitare/article/download/5975/4275. DOI: http://dx.doi.org/10.5380/ce.v11i1.5975
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Com base em conceitos advindos destes e de outros estudos fica a compreensão de que a imagem reportada pela mídia impressa, por muitas vezes, denigre a categoria de enfermagem. Isto se baseia em estereótipos e preconceitos veiculados a uma época passada na história da enfermagem, considerado "período crítico da enfermagem". Este fato foi causado pela evasão das religiosas da assistência à saúde durante o período protestante, deixando com que pessoas de baixo valor na sociedade, como analfabetos, prostitutas e moradores de ruas, realizassem o "cuidado". Mesmo este processo não tendo ocorrido de forma concomitante no Brasil, o preconceito atravessou as fronteiras por 'caravelas' e impactou de forma concisa na enfermagem brasileira. Nessa visão é preciso entender os conceitos presentes na mídia e na população de forma geral, pois este é o primeiro passo para o enfrentamento e desmistificação da profissão, para poder reverter esta situação e trazer valorização ao serviço de enfermagem, influenciando diretamente na identidade profissional de enfermagem.2626 Colpo JC, Camargo VC, Mattos SA. A imagem corporal da enfermeira como objeto sexual na mídia: um assédio a profissão. Cogitare Enferm [Internet]. 2006 Jan/Apr; [cited 2017 Jun 17]; 11(1):67-72. Available from: http://revistas.ufpr.br/cogitare/article/download/5975/4275. DOI: http://dx.doi.org/10.5380/ce.v11i1.5975
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,2929 Vaghetti HH. As organizações da enfermagem e da saúde no contexto da idade média: o cuidado e a ciência no mundo e no Brasil. In: Padilha MI, Borenstein MS, Santos I, organizadores. Enfermagem: História de uma profissão. 2ª ed. Florianópolis: Difusão Editora; 2015. p. 83-110.

Destaca-se como limitações deste estudo, uma característica da mídia impressa, que são suas reportagens apresentarem curta explanação e visão proveniente das idéias, por muitas vezes, individuais. Outro fato foi a carência de estudos para discussão de alguns achados da pesquisa, o que dificultou a explanação de resultados, mas por outro lado agregou valor neste manuscrito apresentando aspectos inéditos.

CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA

Esta pesquisa permitiu visualizar as caraterísticas provenientes da mídia impressa em relação a imagem da enfermagem retratada em épocas de importância histórica da profissão. Esta imagem retrata as lutas e batalhas da enfermagem para ganhar espaço e reconhecimento como profissão, buscando seus direitos e melhorias de condições de trabalho, as quais eram ainda piores no período retratado, porque anteviu a atualização da regulamentação profissional de enfermagem.

Foi possível compreender também os estereótipos retratados pela mídia impressa no cenário nacional, dando grande visibilidade a erros graves da enfermagem no exercício da profissão, que acarreta em perda de credibilidade por parte da população e outros profissionais da equipe de saúde. Isto concretizado pelo fato de que a mídia relata apenas a imagem do enfermeiro como exclusivo responsável, sem considerar a gama de erros envolvidos para concepção final de um evento adverso. Além de que, foi possível por meio de algumas manchetes perceber a falta de apoio fornecida aos profissionais envolvidos no evento adverso, resultando em sofrimento psíquico, podendo chegar a ideação suicida.

A imagem na mídia é fortalecida por meio de representações provenientes de filmes e livros, que insistem em retratar a enfermagem baseada em um binarismo histórico, de um lado vista como angelical e cristã, que baseia seu exercício profissional na caridade e, por outro lado, a imagem profana, advinda de uma sexy e linda enfermeira, sem cientificidade envolvida no cuidar.

Estes aspectos aqui visualizados implicam numa desvalorização da enfermagem como profissão, a qual exerce seu trabalho voltado com cientificidade no cuidar, seja na área assistencial ou de pesquisa propriamente dita. Essa desvalorização prejudica a identidade profissional de enfermagem e o exercício profissional, pois a enfermagem tem como uma de suas bases de incentivo à valorização de seu trabalho. Quando este não ocorre, faz com que os profissionais atuem de forma a exercer apenas o exigido a eles, não indo além disso no seu cotidiano de trabalho, mesmo cientes que possuem capacidade para tal.

É preciso entender os contextos históricos que influenciam na desvalorização da enfermagem como profissão, por parte da mídia impressa, e seu resultante impacto perante a visão da sociedade, para combater os preconceitos e estereótipos. Fortalecendo, assim, a imagem e identidade profissional da enfermagem como profissão, de cunho científico, séria e não submissa aos demais profissionais da área da saúde, possuindo autonomia para o exercício da profissão e seus preceitos éticos e legais envolvidos.

Por fim, ressalta-se que a profissão é exercida por seres humanos, os quais são cabíveis de erros e falhas, como em qualquer outro campo de atuação. Estas falhas não devem ser motivo de condenação, mas sim, compreendidas e servirem de fortalecimento para que não se repitam.

  • a
    Artigo extraído da dissertação de mestrado intitulada "A mídia impressa e a (re/des)construção da identidade profissional da enfermagem brasileira", com autoria de Amina Regina Silva, sob orientação da professora Maria Itayra Coelho de Souza Padilha, apresentada ao Programa de Pós-graduação em Enfermagem (PEN) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em 24 de agosto de 2017.

REFERENCES

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Nov 2018
  • Data do Fascículo
    2018

Histórico

  • Recebido
    15 Jun 2018
  • Aceito
    15 Ago 2018
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